A nova onda do audiovisual potiguar

O Rio Grande do Norte não tem cinema. Não? “Não é bem assim…”, eu começo para algum colega de outro estado (ou mesmo potiguar), tentando manter a paciência, única qualidade que ainda me permite argumentar com os conceitos formados de que, aqui, ninguém sabe manusear uma câmera com competência. Foi pensando no desperdício de saliva, tempo e de paciência (bens que jamais retornam, então é melhor preservá-los) que resolvi fazer essa postagem. Assim, eu, você ou qualquer pessoa poderão ter um manual completo, com evidências e testemunhos, de que existe produção audiovisual das boas na terra de Poti.

A princípio, pensei em escrever esse texto corrido, mas logo senti a necessidade de destacar alguns pontos, então optei por transformá-lo em uma lista, que fique claro, sem ordem de méritos. Trata-se de um conjunto de fatores que fazem com que a nossa produção audiovisual esteja em um momento, arrisco dizer, inédito. E a tendência é melhorar.

Há muitos aspectos e produções que deixarei passar nesse texto, seja por ainda não ter conhecimento, ou por não serem obras recentes, peço desculpas desde já para aqueles cujos nomes não estiverem contemplados aqui e que certamente são igualmente importantes para o crescimento do cinema potiguar.

Chega de ladainha e vamos às razões que me fazem crer que bateu uma onda forte (sem associações a substâncias alucinógenas, por favor) no cinema potiguar.

A direção sensível de Victor Ciriaco

Victor Ciriaco é um jovem (jovem mesmo!) cineasta potiguar. Seu primeiro filme foi “Abraço de Maré”, um doc que revelou em primeira mão a sensibilidade de Victor no apaixonante ofício de contar histórias. Não à toa, prêmios e aplausos têm sido conquistados por todo o Brasil com a obra. Um ano depois do lançamento do doc, Victor surge com mais um envolvente filme: o curta-metragem de ficção “Sailor”. Obviamente, Victor conta com uma competente equipe que o apoia em seus projetos, mas sob a batuta dele é que roteiros emocionantes ganham forma e cenas incríveis e ambiciosas são criadas. Victor Ciriaco seguramente é um dos tesouros da fase atual da nossa produção audiovisual.

Cena de "Sailor", de Victor Ciriaco
Cena de “Sailor”, de Victor Ciriaco

Abaixo, trailer de “Sailor”:

A fotografia de “Janaína Colorida Feito o Céu”

Janaína Colorida Feito o Céu é um filme dirigido por Babi Baracho que, por trás do roteiro intrigante e da personagem apaixonante, faz também uma homenagem aos lugares mais bonitos e clássicos de Natal. Babi, auxiliada por seu diretor de fotografia Johann Jean, nos presenteia com cenas impagáveis que envolvem sorrisos, sol, mar e a captação de uma áurea típica da cidade. O filme recebeu, merecidamente, o prêmio de Melhor Fotografia no Cine Curtas Lapa (RJ).

janaina
Cena de “Janaína Colorida Feito o Céu”, de Babi Baracho

Confira o trailer de “Janaína Coloria Feito o Céu”:

A estética de “Três Vezes Maria”

“Três Vezes Maria” era para ser uma série (e quem sabe um dia não seja?) mas por ora resumiu-se em um curta metragem com muitos méritos. Um deles é certamente o trabalho do elenco, belissimamente preparado para contar uma narrativa envolvente e também um pouco reticente (impossível não querer saber um pouco mais das três Marias ao fim do filme). Contudo, o que mais chama atenção é certamente a direção de arte com cores e elementos que não só possuem função estética, mas ajudam a contar a história. Obra da dupla Babi Baracho (ela de novo!) e Riccardo San Martini, que assinam a direção de arte do curta.

As atrizes Luana Menezes, Priscilla Vilela e Antonia Delgado em "Três Vezes Maria"
As atrizes Luana Menezes, Priscilla Vilela e Antonia Delgado em “Três Vezes Maria”

Trailer de “Três Vezes Maria”, dirigido por Márcia Lohss:

O roteiro envolvente e as atuações de “O Menino do Dente de Ouro”

“O Menino do Dente de Ouro”, filme de Rodrigo Sena, arrebatou o prêmio pelo júri popular de melhor curta-metragem da Mostra de Cinema de Gostoso, empatado com “Abraço de Maré”, de Victor Ciriaco. A justificativa se dá em um roteiro curioso e divertido e nas interpretações dos garotos Davi Allyson, Douglas Santos e Renato Oliveira, sobretudo do primeiro, que atua como o protagonista da história, o esperto Wesley, garoto de 12 anos, que na ida para o colégio acaba se envolvendo em um negócio lucrativo e também um tanto perigoso pelas ruas de Natal. Sena arriscou em um elenco de garotos que nunca tinham atuado antes e acertou em cheio na escolha. Davi é cativante e dá vida a um personagem que nos arranca gargalhadas e nos prende ao desenrolar da história pelos 15 minutos de filme. Destaque também para Priscilla Vilela como a mãe de Wesley. No “Oscar” potiguar deste blog, “O Menino do Dente de Ouro” levaria, dentre outros prêmios, melhor filme e melhor roteiro.

Davi
Davi Allyson, Douglas Santos e Renato Oliveira são os três atores mirins de “O Menino do Dente de Ouro”

A leva de notáveis documentários

Os documentários frequentemente são vistos como filmes maçantes e desinteressantes para o público em geral. É um desafio para o documentarista tornar a vida real interessante para o espectador educado a associar o cinema com ficção. Para isso, é necessário não apenas munir-se de um argumento que justifique o doc, mas também de um aparato técnico que torne o filme esteticamente atraente para o público, além de um timing na montagem que dinamize o produto. São vários os documentários que têm surgido na cena local e que parecem surpreender positivamente, tanto no quesito roteiro quanto no técnico. Cito aqui dois deles: “Abraço de Maré”, do já citado Victor Ciriaco, e “O (impreciso) mar que nos move”, dos realizadores Rômulo Sckaff, Fernanda Gurgel, Alexandre Santos e Dênia Cruz Sckaff. Tive a oportunidade de assistir ao primeiro, sobre o qual já falamos neste mesmo blog, um filme que todo natalense deveria assistir; quanto ao segundo, ainda não pude assistir ao filme, mas o argumento (uma série de depoimentos de produtores independentes) e o trailer (confira!) por si sós já são um belo convite. Os filmes têm sido exibidos em vários eventos da cidade já há alguns meses. Fique ligado na próxima exibição e agende-se (a dica também vale para mim)!

Biluca e Ilton, personagens de "Abraço de Maré"
Biluca e Ilton, personagens de “Abraço de Maré”

Os microcurtas do Coletivo Caboré Audiovisual

Se você acha difícil contar uma história em uma hora, experimente contar em 15 minutos. Continua achando difícil? Então imagina o quão complicado deve ser contá-la em 1 minuto! Não é trabalho para qualquer um. Narrar de forma eficiente, com um roteiro fechado e que satisfaça o espectador em tão pouco tempo é uma uma das tarefas mais difíceis que um cineasta pode enfrentar. Mas quando, no meio disso, ainda se conseguem inserir boas atuações, efeitos especiais e sonoros e um roteiro que te deixa preso por cada segundo, esse é um fato que merece ser premiado. E o prêmio veio para “Rastro da Flor”, um dos microcurtas produzidos pelo Coletivo Caboré Audiovisual, no Festival Internacional de Cinema de Baía Formosa. Além de “Rastro da Flor”, ainda vale a pena conferir “Sob a sombra da estrela”, um filme de Priscilla Vilela igualmente arrebatador. Ambos podem ser assistidos abaixo. Garanto que serão os dois minutos mais bem aproveitados do seu dia.

https://www.youtube.com/watch?v=PfPlDLrTuMI

https://www.youtube.com/watch?v=g7WHWNuSSjY

A habilidosa montagem de Pipa Dantas

Responsável pela montagem de “Abraço de Maré”, “Três Vezes Maria” e “Sailor”, entre outros filmes, Pipa Dantas vem se destacando na edição das obras do Coletivo Caboré Audiovisual. O diretor de “Abraço de Maré”, Victor Ciriaco, mencionou em entrevista que foi nas mãos de Pipa que o filme definitivamente se construiu, fazendo da montadora uma co-autora da obra. Em seu trabalho, Pipa consegue extrair o melhor do trabalho de todos os envolvidos, dá vida e consolida definitivamente os produtos. Uma tarefa que exige paciência, sensibilidade e muito apuro técnico. Por “Abraço de Maré”, Pipa Dantas chegou a receber um prêmio de melhor montagem no Festival Goiamum Audiovisual (RN), um justo reconhecimento.

O talento e o brilho de Priscilla Vilela

Se pudéssemos eleger aqui em um prêmio simbólico à melhor atriz do cinema potiguar nesses idos, eu indicaria, sem hesitar, o nome de Priscilla Vilela. Dona de uma beleza singular e de uma expressividade envolvente, Priscilla ainda detém um talento que poucas vezes vi em jovens atrizes. Priscilla não cai no pecado do exagero, nem no problema comum da apatia com a câmera. Sabe a medida certa para cada uma de suas personagens. Capaz de interpretar uma prostituta (Três Vezes Maria), uma mãe trabalhadora e preocupada (O Menino do Dente de Ouro) e ainda uma empolgada produtora que se vê vítima do objeto de sua obra no meio da floresta (Sob a sombra da estrela), sem ficar deslocada em nenhum dos papéis, a atriz prova que tem competência e todos os atributos para galgar os mais altos degraus em sua escolha.

Priscilla Vilela em "Três Vezes Maria"
Priscilla Vilela em “Três Vezes Maria”

Os estonteantes cartazes dos filmes

A gente ainda tem dessa de achar que um filme só é “profissa” de verdade se tem um cartaz bonitão, né? Pois se depender dos cartazes, o cinema potiguar tá dando com força em cima de muita Hollywood por aí, viu? Os profissionais responsáveis fizeram trabalhos maravilhosos, de bom gosto, e que conseguem transmitir a essência dos filmes, tornando-os convidativos para o público. Lembro que não precisei de mais que o cartaz de “Três Vezes Maria” para ficar ansiosa para ver o filme. É impossível postar aqui todos os trabalhos maravilhosos que vi durante o ano, mas para exemplificar, selecionei quatro, que vocês podem conferir abaixo:

Cartaz de "Três Vezes Maria"
Cartaz de “Três Vezes Maria”
Cartaz de "O menino do dente de ouro"
Cartaz de “O menino do dente de ouro”
Cartaz do documentário "O impreciso mar que nos move"
Cartaz do documentário “O impreciso mar que nos move”
Cartaz de "Sailor", com arte de Aureliano Medeiros
Cartaz de “Sailor”, com arte de Aureliano Medeiros

As incríveis trilhas sonoras originais

Não bastasse fazer filmes e cartazes lindíssimos, para quem tá achando pouco, os realizadores ainda fazem questão de terem trilhas originais para os seus filmes. Em “Três Vezes Maria”, a trilha ficou por conta do grupo Rosa de Pedra; em “Janaína Colorida Feito o Céu”, é Walter Nazário quem assina; mas o nosso pseudo prêmio de melhor canção original vai para “Sailor”, que faz parte da trilha do filme homônimo, com música de Vitória Real e Adriano Sudário e letra de Pipa Dantas (que não bastasse ser montadora, ainda é compositora, e é porque eu não falei da vertente de atriz da moça, hein?), uma música sensível e agradável aos ouvidos, que casa perfeitamente com o filme.

“Gonna Get Over You” e como um trabalho de faculdade virou uma obra de arte

E para não dizer que não falei dos lindíssimos trabalhos experimentais que têm sido feitos no âmbito universitário, é impossível não citar o clipe alternativo de “Gonna Get Over You” (Sara Bareilles), produzido por alunos do curso de Comunicação Social da UFRN. Vale ressaltar que o título de “experimental” atribuído dá-se apenas pelo fato de os garotos não deterem a autorização da cantora para o uso da música, porque o profissionalismo técnico do produto é admirável. Inspirado em cenas clássicas e personagens do cinema, o clipe, que é dirigido por Fagner Melo, homenageia filmes como Cisne Negro, O Iluminado, Psicose, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, e outros. Com direção de arte impecável e uma montagem afiadíssima, a versão dos alunos de “Gonna Get Over You” surpreendeu e ganhou repercussão nas mídias sociais e em alguns blogs locais. O vídeo já tem mais de 8.000 views no YouTube.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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diana
diana
9 anos atrás

Tem uma galera que não entrou na lista, mas haverão oportunidades…uma delas é Carito Cavalcanti, referência pra um mói de gente daqui, e a galera do coletivo Espantalho, que produziu um dos documentários mais legais dos últimos tempos: Mamucaba. O Impreciso Mar que Nos Move é lindo mesmo, assista quando puder! Isso sem contar em mais um monte de gente que tá com filme por lançar e outros que não circularam muito…e mais os que já vem na batalha há tempos…ahh, só uma correção: o ator principal do Menino do Dente de Ouro já tinha participado de um curta, chamado “Vixe Boy Dei Valor”, de Kaiony Venâncio. Valeu pela postagem, Andressa, tem audiovisual sim em terras potiguares =)

Babi Baracho
Babi Baracho
9 anos atrás

Que matéria linda, Andressa!!! Obrigada por expor seu olhar sensível!
Só uma correção: (Em Três vezes Maria)
“Obra da dupla Babi Baracho (ela de novo!) e Riccardo San Martini, que assinam a direção de fotografia do curta.” Direção de arte! 😉

Kaiony Venâncio
Kaiony Venâncio
Reply to  Andressa Vieira
9 anos atrás

Muito massa a matéria, Andressa! Parabéns pelo olhar e por defender as obras potiguares. E sabemos que você defende porque há qualidade de fato. Grande abraço e saiba que o Cinema Potiguar é feito de Realizadores, Pesquisadores, Universidades, Críticos, Cineclubes, Jornalistas e escritoras como você. Somos grato, Cinéfila Potiguar!

Priscilla Vilela
Priscilla Vilela
9 anos atrás

Nossa Andreza! Muito obrigada! Foi realmente um olhar generoso que você lançou sobre todos nós! Entendi que vc mencionou o que há de novo no cenário atual. Com certeza sem desmerecer os muitos excelentes profissionais que já estavam traçando o caminho antes mesmo de imaginarmos que também o escolheríamos! Sabemos que muitos estão na batalha há muito tempo, batalhando junto com aqueles que, assim como nós, só aqueceram as turbinas. Que bom que somos muitos! Impossível citar todo mundo de fato! A exemplo também dos atores incríveis de teatro, os quais definitivamente são uma inspiração pra mim, e que estão experimentando o cinema e arrebentando! É tanta gente boa que não cabe numa matéria só! Então por isso que mais iniciativas como a sua devem vir pra prestigiar os grandes profissionais de ontem hoje e sempre! Essa aqui ficou linda e já tá valendo! Muito obrigada!

Dhara Ferraz
9 anos atrás

Muito bom Andressa! O cinema em Natal está crescendo cada vez mais! São pessoas e reconhecimentos como o seu que precisamos, pois muitos ainda não conhecem o cenário audiovisual potiguar! Aproveito pra te convidar para visitar a página do “Ília”, curta-metragem que fiz com minha colega do Moniky do curso de Cinema e Audiovisual da Unp e teve o apoio do pessoal do Caboré. Em fevereiro faremos a exibição, te espero por lá! Abraços e viva o cinema potiguar!

trackback
8 anos atrás

[…] A programação está incrível, com exibição de produtores novos e experientes no ramo do audiovisual do Rio Grande do Norte. Vale lembrar que o mercado nesta área no Rio Grande do Norte está crescendo, conforme Andressa Vieira falou neste artigo aqui. […]

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