‘Argo’ tem os elementos para ser genial, mas estanca no comum

Após assistir “Argo”, no momento em que a produção já se vangloria por ter ganho alguns dos principais prêmios de crítica e público americanos e esnoba em sua publicidade nada menos que sete indicações ao Oscar, me peguei a refletir sobre a carência de genialidade que a Sétima Arte tem enfrentado. Não que o recém-nascido do ator/diretor Ben Affleck não seja um bom filme, pelo contrário, é até que bastante legal, comparado ao que tem sido feito por aí, mas não justifica de forma alguma a quantidade de holofotes que tem recebido.

Cena de Argo

 Ben Affleck tinha nas mãos todos os elementos para fazer o filme de sua vida: uma ideia de roteiro tão excelente que mais parece ficção e quase 45 milhões de dólares – o que se torna um valor razoável se considerarmos que não havia qualquer estrelismo no elenco, com exceção do próprio Affleck. Contudo, seja por receio de arriscar o novo ou simplesmente por ainda faltar alguma maturidade no trabalho do diretor, “Argo” preferiu a posição confortável de um filme com elementos comerciais e já certeiros. Um bom filme cujo enredo é situado no fim dos anos 70, com toques cinematógrafos dignos dos castanhosos anos 80.

“Argo” surge como uma obra baseada em fatos reais. Em 1979, diplomatas e funcionários americanos foram mantidos reféns no Irã. Seis deles conseguem fugir do cativeiro em que estavam sendo mantidos e o objetivo do agente Tony Mendez, interpretado por Ben Affleck, é conseguir tirá-los do território iraniano salvos. O filme inicia-se de forma interessante e original: situa o espectador no momento geo-político e nos conflitos que servem como base para o filme. Para isso, utiliza-se de legendas, imagens e animações. O drama e a tensão são elementos que se apresentam logo no início da trama com a ajuda de aspectos documentais nas cenas de conflitos, que levam quem assiste a indagar se aquelas são imagens reais de fato ou apenas uma opção de cor e estilo acertada da direção.

Logicamente, como não podemos esperar o contrário de uma produção hollywoodiana que trate sobre conflitos no Oriente Médio, há uma maior simpatia para o lado norte-americano, embora o filme não se prive de mostrar também algumas cenas que ofendem a moral estado-unidense, como, por exemplo, uma crítica a própria Hollywood, feita pelo personagem (real) John Chambers (John Goodman), maquiador que se torna indispensável para o desenrolar da história.

Ben Affleck é diretor esforçado e ator mediano em “Argo”

“Argo” começa optando por seguir um ritmo contínuo e atraente, tentando manter a tensão e a dramaticidade da situação em alta. Contudo,  tal percurso é quebrado quando a solução para o conflito inicial se apresenta. Tony Mendez, ao conversar com seu filho (um fã de ficção científica, como quase toda criança no fim da década de 70 e início dos anos 80), tem uma ideia que, de tão absurda, acaba sendo tratada de forma cômica no roteiro. Uma produção de um filme de sci-fi seria montada, e os fugitivos seriam encaixados como integrantes da equipe para, disfarçados de cineastas canadenses, deixarem o Irã e voltarem aos Estados Unidos.

Na época, os sci-fi estavam em alta, Star Wars era febre, e esse seria o pretexto ideal para a “Operação Argo”, dada a impossibilidade de outras opções melhores. Então, o filme que começa denso, depois dos primeiros 20 minutos, quando a ideia de contrabandear americanos através da produção de um filme aparece, começa a ficar leve e até cômico, em alguns momentos.

Algumas marcas de insegurança ou imaturidade (ou talvez, simplesmente, opções que não me agradam) podem ser encontradas no roteiro, como, por exemplo, a ausência de silêncio. Algumas falas lógicas e desnecessárias para o entendimento do espectador parecem existir apenas para evitar a ausência de diálogo. Também não me agradou muito a forma como foram representados os estereótipos do cinema explícitos no filme (o diretor descolado, o cameraman barbudo e estranho e a roteirista que faz a linha frígida e contida). Mas nada disso torna “Argo” um filme ruim, de fato.

Parte do elenco de Argo, premiado pelo Sindicato Norte-Americano de Atores

O filme tenta ser um drama com elementos de comédia, e no fim das contas, acaba não sendo levado a sério até as cenas finais, quando a tensão é retomada. Todo o desenrolar dos últimos minutos é feito com maestria, é o momento em que o elenco se destaca, e Ben Affleck pôde demonstrar o seu desempenho na hora de enlaçar cenas chave e de importância fundamental para a compreensão da história. Como consequência temos uma dramaticidade que beira ao exagero e toda aquela acentuação do “espírito americano” ao qual todos nós já estamos mesmo acostumados – mas que poderia ter sido melhor disfarçado, para não cair no clichê, erro a que o filme acaba se assujeitando algumas vezes.

Ben Affleck faz um trabalho de direção digno e competente em “Argo”, mas ainda passa longe do excelente. Como ator, não podemos dizer o mesmo, embora sua inexpressividade tenha sido útil por diversas vezes, nos momentos em que Tony Mendez precisa demonstrar pouca ou nenhuma emoção, calma e um pouco de frieza para lidar com os imprevistos do resgate. Quanto ao restante do elenco, que tem sido paparicado premiações a fora, não consegui ver nada de mais. Todos estavam em sintonia e fazendo o dever de casa direitinho, mas sem atuações ou momentos espetaculares.

Da mesma forma, também não enxerguei nada extraordinário no conjunto “Argo”. É um bom filme, com seus acertos e erros. Vale a pena ser visto e até revisto, se considerarmos a importância de seu roteiro a um nível político. Já os seus globos de ouros, indicações ao Oscar e demais premiações, atribuo muito mais a ausência de competidores à altura esse ano – ou à incapacidade dos jurados de enxergá-los – que a um mérito particular do cinema realizado em “Argo”.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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João Victor Wanderley de Souza
11 anos atrás

Dos que vi até agora, As Aventuras de Pi é o melhor filme para premiações. Django consegue ser muito mais eficiente que Argo. E se era pra dar prêmios de direção para Affleck, que entregassem para Christopher Nolan pelo último Batman. Aliás, essa onda por Argo chega a passar do limite do bom senso quando a trilha de Desplat, discretíssima em Argo, concorre a melhor trilha no Globo de Ouro e no Oscar só porque o compositor está na moda. É um absurdo A trilha de Desplat está entre as finalistas e a de Hanz Zimmer por Batman não!

Andressa Vieira
Reply to  João Victor Wanderley de Souza
11 anos atrás

Concordo. Meu voto vai para “As Aventuras de Pi”, fácil. “Amor” é ótimo, mas acho que não terá o reconhecimento merecido no Oscar por não ser norte-americano. E a Academia cada vez prova ser mais preconceituosa quando o quesito é franquia de filmes… O próprio Hobbit, que é um filmaço, passou quase reto pelas listas.

trackback
10 anos atrás

[…] o filme protagonizado por Jean Judardin também arrebanhou o Oscar. Um ano depois, em 2013, “Argo“, de Ben Affleck, também embolsou o prêmio principal nas duas entregas. E ao que tudo […]

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