‘O Anjo Exterminador’ e a crítica de Luís Buñuel à burguesia

Produzido em 1962, o filme “O Anjo Exterminador” se tornou uma das obras mais importantes do diretor Luís Buñuel. A película trata da história de um grupo de burgueses que fica preso na sala de uma mansão após ter assistido a um espetáculo de ópera. Na ocasião, os anfitriões da casa haviam convidado os amigos para jantar após o evento. Impedidos de deixar o local sem saber por que, uma vez que não existiam obstáculos físicos aprisionando-os na mansão, homens e mulheres da alta sociedade passam a ter de conviver juntos. Nesse ambiente claustrofóbico e agonizante, muitos deles perdem a razão e passam a agir violentamente.

O filme apresenta vários simbolismos que nos são apresentados do inicio ao fim, e que têm como principio estabelecer uma crítica aos moldes comportamentais dos burgueses fazendo com que eles se confrontem entre si e seus conflitos internos. Logo de inicio podemos perceber esse simbolismo, quando observamos a placa que nos é mostrada, com o nome da rua: “Rua da Providência”. A partir disso, já podemos perceber que os fatos que vão se desenrolar terão um cunho religioso e transformador, principalmente quando buscamos a definição da palavra providência (s.f. Prevenção, disposição prévia dos meios necessários para conseguir um fim, para evitar um mal ou para remediar alguma necessidade. Teologia A suprema sabedoria atribuída a Deus, com que ele governa todas as coisas).

“O Anjo Exterminador” é um filme de caráter surreal, movimento esse pelo qual Buñuel vem sendo influenciado de maneira direta desde início de sua carreira, marca perceptível em outros filmes que antecedem ou sucedem a obra aqui comentada. No filme podemos perceber características do surrealismo, tais como a repetição das ações, a barreira invisível que impede que os burgueses deixem um determinado cômodo e uma quebra entre o real e o irreal, características essas baseadas na teoria freudiana do inconsciente. Através de ritos religiosos, Luís Buñuel mostra na figura dos burgueses enclausurados em uma sala, a hipocrisia, a falsa moralidade e seus pecados e a necessidade de uma punição divina para que os mesmos consigam se “redimir”, punição essa assistida de perto por Jesus, Maria e São Francisco, representados por quadros pendurados na sala.

Essa três imagens também nos remetem a essa punição ou providencia divina, na figura de São Francisco de Assis, a necessidade de viver uma vida mais simples (no sentido mais modesto); Jesus, a necessidade de sacrificar-se para rendição dos pecados; e Maria, a piedade, que mesmo sem todos se redimirem dos seus pecados, os mesmos são libertados dos seus enclausuramentos. Para corroborar ainda mais com esta tese, Luís Buñuel também insere no filme uns dos rituais mais conhecidos dos dogmas católicos: o sacrifico. Através dos cordeiros Buñuel nos diz que para a realização desse sacrifício três burgueses irão morrer durante o processo da providencia, nos remetendo a um pecado original inserido na gênese da burguesia.

 

Podemos identificar como pecado original a degradação moral a qual a burguesia cultiva como, por exemplo, desgaste nas instituições família/casamento; alguns personagem sustentam-se apenas na superfície da aparência, a exemplo de Luzia, a anfitriã, que tem encontros íntimos com seu amante em sua própria casa. Além disso, a hipocrisia representada através de três personagens que se comunicam através de gestos maçônicos que, para a Igreja, é considerada uma sociedade herege. Outro fator que podemos destacar são as repetições de ações com o intuito de mostrar as duas caras da burguesia a partir de atitudes contraditórias disparadas por algo idêntico como nas cenas dos brindes. Essa repetição também é o grande motivo do enclausuramento do grupo de burgueses, a fim de demonstrarem a quebra das máscaras sócias.

No filme, Buñuel ainda critica a Igreja Católica, comparando homens a cordeiros da mesma maneira que a Bíblia fizera, fazendo alusão a que os homens, assim como os cordeiros, precisam de um pastor para guiar suas vidas, caracterizando seres despersonalizados e sem uma opinião formada, o que demonstra uma alienação religiosa.

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Cicero Alves
Fã de cinema desde de criança, estuda Arte e Mídia na Universidade Federal de Campina Grande (Paraíba). Tem como principais paixões a música, os quadrinhos e o cinema.
Cicero Alves

Cicero Alves

Fã de cinema desde de criança, estuda Arte e Mídia na Universidade Federal de Campina Grande (Paraíba). Tem como principais paixões a música, os quadrinhos e o cinema.

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Wendell Marcel
10 anos atrás

Valeu pelo texto.
Gosto muito dos filmes de Buñuel e admiro muito a visão que ele tinha
sobre a sociedade. Resumidamente, é a hipocrisia, a eventualidade da mesma dança burguesa
que há décadas e décadas está encrostada na falsa “hierarquia social”. Neste filme, a sobremesa é o prato principal: a religião servida à pão de ló.

Abraços cinéfilos!

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