O nascimento de uma linguagem – Parte II

No meu poste anterior falei das principais inovações técnicas trazida pelo filme “O Nascimento de uma Nação” de 1914 e que foi dirigido por D. W. Griffith. Porém o filme não trouxe consigo apenas inovações técnicas que formularam a linguagem cinematográfica, mas também uma história conflituosa e tendenciosa da guerra de secessão dos Estado Unidos. Após o lançamento do filme, os Estados Unidos via nas telas de cinema um capítulo de sua sangrenta história no caso a “Guerra de Secessão”, porém contada de uma forma um pouco diferente onde se mostrava não as glórias do lado vencedor, mas sim uma visão que talvez posso chamar de preconceituosa, das consequências da vitória dos Estados do Norte (Pró-União).

O filme com 3 horas de duração traz cenas inimagináveis para a época, como batalhas em campos abertos com o uso de centenas de figurantes, uso de travelling, montagem em paralelo e etc. Porém, ao assistirmos ao filme percebemos um visão preconceituosa do diretor que claramente culpa os negros por todos os problemas do Estados Unidos durante e após a guerra civil, que matou cerca de 600 mil pessoas. Para a criação do roteiro do filme, Griffth usou como base o romance “The Clansman”, escrito por Thomas Dixon Jr.

Durante o filme percebemos as inclinações preconceituosas da obra, tanto que fica claro que há dois tipos de negro: o bom, escravo dócil e obediente que não luta contra a escravidão, e os maus, representados pelos negros que são a favor do fim da escravidão. A obra ainda traz outro ponto que podemos destacar: o dualismo explícito por meio do posicionamento político que favorece o lado separatista e notoriamente racista. Nele, os negros são retratados como verdadeiros estúpidos sem escrúpulos. O curioso é que os próprios atores não são negros de verdade, mas sim brancos que tiveram suas peles pintadas.

O filme fez tanto estardalhaço na época que acabou sendo proibido de ser exibidos em alguns estados do país, pois a obra serviu de base para o ressurgimento da Ku Klux Klan, que se utilizou da catarse que o filme gerou em alguns espectadores para recrutar novos adeptos. No livro “Notre Dame VS. A Klan“, o autor Todd Tucker comenta essa estratégia da Klan de usar o filme como objeto de sedução para agregar novos associados à organização: “Eu esperava que o filme – a obra-prima racista de D. W. Griffith, The Birth of a Nation (O Nascimento de uma Nação) – pudesse responder a uma questão que vinha tentando decifrar por um bom tempo: como um grupo adormecido de membros voluntários do sul do país trouxe à tona a Klan de 1900, que teve tanto sucesso em meu Estado natal de Indiana? O filme mostra a era da reconstrução da Klan de 1860, mas foi lançado em 1915, durante a aparição da nova Klan. “The Birth of a Nation” foi uma inspiração direta para aqueles homens que estavam tentando ressuscitar a KKK, e também tornou-se a maior ferramenta de recrutamento de novos membros. Em uma época em que a produção de um filme industrial começava a engatinhar, 25 milhões de pessoas viram o filme em seus primeiros dois anos. Para muitas pessoas, esse foi o primeiro filme de suas vidas.”

Apesar dessa visão racista do filme, podemos destacar outros pontos que o favoreceram para que seja um dos marcos épicos do cinema mundial, mas esses pontos deixarei para o próximo poste onde analisarei o filme e o seu conteúdo levando em consideração fatores históricos de um país que busca a reconstrução na malha social.

Trecho do filme "O nascimento de uma nação"

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Cicero Alves
Fã de cinema desde de criança, estuda Arte e Mídia na Universidade Federal de Campina Grande (Paraíba). Tem como principais paixões a música, os quadrinhos e o cinema.
Cicero Alves

Cicero Alves

Fã de cinema desde de criança, estuda Arte e Mídia na Universidade Federal de Campina Grande (Paraíba). Tem como principais paixões a música, os quadrinhos e o cinema.

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