Verdade, Uma Ilusão: Marisa Monte faz show multimídia inesquecível

Depois de longos seis anos,  por fim, Marisa Monte retornou a terras potiguares no dia 5 de dezembro, penúltimo show da turnê “Verdade, Uma Ilusão”. Um dos preços mais salgados do Nordeste foi aqui em Natal, caros R$ 360,00 a entrada inteira. Como já era de se esperar, o Teatro Riachuelo estava lotadíssimo, pessoas de gerações diferentes mas, de um modo geral, de uma mesma classe social. Confesso que o preço do ingresso afastou muita gente que curte o som da cantora, fiquei pensando no motivo de tamanha disparidade entre valores no Nordeste, seria a falta de opção de espaços para a realização do evento? Essa é uma discussão a parte.

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Com um pequeno atraso de vinte minutos, o show se inicia. As cortinas do teatro sobem e a voz indefectível da cantora surge no palco atrás de cortinas negras e projeções. A música abre-alas é “O Que Você Quer Saber de Verdade”, que também dá nome ao seu último disco. Tocando seu ukulele elétrico, Marisa ganha a plateia sem que sequer a víssemos direito. Num tom tranquilo ela emenda uma música na outra. A seguinte é “Descalço no Parque”, também de seu mais recente disco. Cortinas levantadas, projeções no telão ao fundo do palco e a cantora inicia “Arrepio” (Carlinhos Brown), do disco “Barulhinho Bom” (1996).

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Ao fim das primeiras três músicas, as faixas diante do palco sobem e a cantora pode ser vista nitidamente. Simpática, ela cumprimenta a plateia e agradece a casa cheia. A expectativa para a próxima música era grande e inusitadamente ela cantou “Ilusion”, música que compôs em parceria com a cantora mexicana Julieta Venegas para o Unplugged (2008) da hermana. A plateia, embora receptiva, ainda aguardava um grande hit que a fizesse cantar junto, uma daquelas mais antigas que os fãs soubessem a letra decorada. Eis que veio a balada “Depois”, música tema do casal protagonista de uma insossa novela das oito. O clima morno permaneceu em “Amar Alguém Só Pode Fazer Bem”, alguns casais presente aproveitaram o ensejo e ensaiaram carinhos, beijos e olhares dignos de filmes melosos.

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O ex-titã Nando Reis é um compositor querido, e suas músicas caem no agrado de vários nomes da MPB. Com suas letras extensas, Nando é um cronista das pequenas coisas da vida. Marisa gravou uma de suas pérolas do cotidiano, “Diariamente”, em seu segundo álbum, “Mais” (1991). No show, todos cantavam os vários versos da canção. O show começava a esquentar. “Infinito Particular” foi a seguinte, as projeções de constelações e galáxias renderam o infame comentário: “Já já estou vendo Sandra Bullock ser projetada e fazer participação especial”, em uma referência ao filme de Alfonso Cuarón, “Gravidade” (2013).

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Num rompante, Marisa começa a cantar uma versão flamenca de “ECT”, composição de sua autoria em parceria com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Ali se iniciava um momento de homenagem a uma das cantoras mais interessantes e vibrantes da música brasileira, Cássia Eller. Marisa fez uma pausa pra elogiar e contar a história da canção “ECT” e o quanto admirava a Cássia e seus motivos para só em 2013 estar cantando a música. “Dizem que quando a gente tem saudade é porque sentimos a falta de alguém. Eu acredito que quando a gente tem saudade é porque a gente sente a presença desse alguém”, disse Marisa ao lembrar do falecimento precoce da roqueira Cássia Eller. Em seguida cantou “De Mais Ninguém” (Marisa Monte e Arnaldo Antunes), só voz e violão, e a plateia em coro acompanhou. A música, uma das minhas favoritas, encerrou a homenagem a Cássia Eller.

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Arnaldo Antunes é um dos letristas mais lúcidos e interessantes da atualidade. O ex-vocalista do Titãs sempre foi uma referência para a jovem cantora carioca, tempos depois estavam os dois compondo juntos. Em conversa com o público, Marisa explicou como foi sua primeira parceria com Arnaldo Antunes: “O Arnaldo sempre foi uma referência, um desses caras que eu queria me aproximar. Daí um dia, durante a gravação do meu segundo disco, eu mandei uma melodia em uma fita pro Arnaldo pra ver se ele poderia escrever uma letra. E ele escreveu, essa música que eu vou cantar pra vocês”. A música em questão era “Beija Eu”. Depois da primeira parceria com o compositor, Marisa cantou a última obra da dupla, “Dizem“, que recentemente foi gravada por Arnaldo em seu novo trabalho, “Disco” (2013).

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Confesso ao leitor que eu não sabia bem o que fazer, se fotografava, se admirava o cenário multimídia ou se cantava, de tão lindo aquele show estava. Outra canção do disco Mais foi cantada, “Eu Sei”. Na sequência Marisa tocou um clássico da música italiana, eternizado na voz da cantora Mina, “Come Tu Me Vuoi“. Marisa falou sobre a história da italiana, de como ela tinha se tornado reclusa e não se apresentava mais ao vivo, no entanto continuava a gravar todos os anos discos e o quanto ela (Marisa) apreciava seu trabalho. “Então eu mandei um e-mail pra Mina com uma música que eu gostaria de gravar com ela, a música já estava gravada, com letra e melodia. Mina me respondeu dizendo que tinha gostado muito da música e perguntou se não poderia gravá-la em seu novo álbum (ouça aqui). E foi assim que eu acabei cantando a música só”, contou Marisa num tom tragicômico. A composição em questão era: “Ainda Bem”, na minha opinião a melhor faixa do álbum “O Que Você Quer Saber de Verdade” (2011), apesar da incessante repetição em rádios, barzinhos e carrinhos de CD pirata Brasil afora.

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Após um momento apoteótico, Marisa tornou a cantar uma canção mais intimista e calminha,  “Verdade, Uma Ilusão”, faixa que dá título à turnê. Projeções no vestido branco da cantora iam e vinham em movimentos delicados que davam a impressão de uma dança. Um dos momentos mais belos, esteticamente falando, do show. Ao meu lado, com a língua afiada, nossa editora-chefe, Andressa Vieira, soltou o seguinte comentário cinéfilo: “Marisa Monte não tá devendo em nada ao vestido da Katniss Everdeen”, se referindo às vestes em chamas da protagonista da saga Jogos Vorazes.

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Na parte final do show, todos já estavam entregues à simplicidade, simpatia, carisma e talento da cantora, inclusive essa repórter que vos escreve. Adoro as letras românticas da Marisa, há quem ache brega, há quem desgoste, mas cada um escolhe as baladas que lhe agradam. Uns preferem sertanejos universitários, outros divas pop oitentistas, eu prefiro as canções da Marisa Monte. A sequência final do show foi digna de corinhos: “A Sua”, “Gentileza” e encerrando com a música tema de todo novo casal, “Não Vá Embora”. Com o perdão pelo trocadilho, a plateia, de fato, não deixou Marisa ir embora e pediu um bis que não tardou a ser atendido.

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A carioca voltou ao palco munida apenas do seu inseparável ukulele e cantou seu maior hit “Amor I Love You”, com direito a backing vocals da plateia e a alegria de uma cantora: “Quando vocês cantam junto comigo, eu já fico super feliz, mas quando vocês cantam e ainda fazem os backing, eu fico entregue”, comentou Marisa, nitidamente feliz. “Amor I Love You” rendeu tanto que ainda teve fã emocionando recitando os trechos de “Primo Basílio” do romance de Eça de Queiroz, narrado originalmente por Arnaldo Antunes. Num festival de gritos elogiosos e declarações de amor, Marisa mostrou-se sempre comunicativa, simpática, porém sem dar trela pras bobagens ditas. O show foi encerrado com o hit-matador dos Tribalistas, “Já Sei Namorar”, também com direito a corinhos da plateia que inquieta se levantou dos assentos e cantou a música em pé. Palmas à cantora, à sua competente banda, composta pelo “power trio” do Nação Zumbi, Pupilo (baterista), Dengue (baixista) e Lúcio Maia (guitarra); o eterno novo baiano Dadi (violão e guitarra); Carlos Trilhas (nos teclados) e o naipe de cordas (violinos, viola e cello) lindíssimo.

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O show foi extremamente bem feito, em todos os aspectos; a estrutura multimídia, com as projeções no palco tornaram a experiência do show singular e enriqueceram ainda mais a apresentação. A cantora fez questão de citar nome por nome de todos os artistas que contribuíram. O som estava de acordo, só em algumas músicas no início do show, achei que a bateria encobriu um pouco a voz da cantora, mas falha que foi sanada, para deleite geral dos presentes. O clima era de festejo, tanto de quem estava na plateia, quanto da própria cantora. Marisa estava inteira e cheia de energia. Apesar da rotina puxada de vários shows em um curto intervalo de tempo, não se mostrou cansada. Sorridente, simples e atenciosa, ela fez o que sabe melhor: cantar. Saí do Teatro extasiada, o show me saiu melhor do que a encomenda, até agora foi a melhor apresentação a que já assisti dela. Espero que Marisa Monte não demore para gravar um novo disco, para assim retornar em mais uma turnê por aqui. Abaixo, uma galeria de fotos de alguns momentos do show:

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Fotos: Andressa Vieira e Leila de Melo

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

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Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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Alexandre Tex
Alexandre Tex
10 anos atrás

““Amor I Love You” rendeu tanto que ainda teve fã emocionando recitando os trechos de “Primo Basílio” do romance de Eça de Queiroz, narrado originalmente por Arnaldo Antunes.”

Pois é, esse cara sou eu! Hahahah

Mas sério, nunca fiquei tão emocionado em toda a minha vida. Como eu disse pra ela lá na hora, sou um grande fã desde os 7 anos de idade. Fui aos dois shows anteriores, no antigo Ginásio Machadinho, mas nunca tive a oportunidade de vê-la de perto (no Machadinho era quase impossível) e muito menos de falar com ela. Quando aconteceu, foi tudo de uma vez! E de uma forma tão incrível que eu jamais poderia imaginar. Ela foi tão doce comigo, mesmo ali de cima do palco, que eu não consigo pensar em outra coisa desde então. Salve Marisa! E que essa saudade não tenha que durar por mais seis ou sete anos.

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