O processo de redemocratização, entre as décadas de 80 e 90, teve uma repercussão importante no cenário cinematográfico latino-americano. São incontáveis as produções que exploram as dores ainda não cicatrizadas do período ditatorial. Também não são novidade os filmes que, de alguma maneira, colocam crianças no sentido de garantir comoção: os mais recentes são “Kamchatka” (Argentina, 2002), “Machuca” (Chile, 2004) e “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (Brasil, 2006). Nossos hermanos aventuraram-se mais uma vez na categoria e, com co-produção brasileira, lançaram “Infância Clandestina” (2011), que só chegou ao Brasil no Festival do Rio de 2012.
Juan/Ernesto precisa passar pelas rígidas regras familiares para ficar com Maria, seu primeiro amor |
“Infância Clandestina” reproduz a memória infantil do diretor
durante ditadura na Argentina |
O filme foi o escolhido da Argentina para a disputa do Oscar 2013, mas não chegou a ser indicado entre as produções estrangeiras, mesmo tendo todas as qualidades para merecer o reconhecimento internacional. Ele conta, com inédita sensibilidade, o que a repressão causou aos filhos de militantes de esquerda: a terrível perda da infância de Juan, filho de revolucionários do movimento Montoneros. Quando retorna do exílio no Brasil a seu país natal, oprimido pela ditadura, tem a chance de poder formar novamente uma família com seus pais e seu grande amigo, o tio Beto. Para tanto, Juan terá de adotar um novo nome: Ernesto, nome de batismo de seu ídolo, Che Guevara. Já com o codinome, o garoto faz novos amigos e conhece Maria. A partir daí, o filme, então, torna-se uma sensível história sobre o primeiro amor.
Outro aspecto inédito nesses filmes é o capricho gráfico com o qual o diretor, Benjamín Avila, apresenta as cenas mais impactantes. Com imagens em graphic novel (um tipo de quadrinho que inspirou obras cinematográficas como “Sin City”, “300”, “Watchmen”, dentre outros), as sequencias assim produzidas acentuam a austeridade dos acontecimentos e capturam o espectador para esta cruel situação de repressão, de maneira que o diretor não abra mão da delicadeza com a qual conduz todo o filme. Acredito que é justamente o fato de o filme não ser especificamente sobre a ditadura, mas tê-la como pano de fundo, é que o torna especial. Embora a posição esquerdista do diretor se manifeste claramente em sua obra, o filme trata muito mais sobre o conceito de família, mesmo que diante do complicado comportamento por causa da luta contra o regime.
Com co-produção brasileira, o filme conta com participação da atriz paraibana Mayana Neiva |
Infância Clandestina poderia ter se tornado uma obra completamente presunçosa sobre um relato pessoal difícil. Fazer esse filme representa uma trajetória bastante arriscada, mas Benjamín Ávila, um estreante em longas, é uma grata surpresa na direção pelo fato do diretor demonstrar uma condução bem segura. Nesse sentido, constrói-se uma trama dotada de comovente singeleza, que nasce de uma pretendida homenagem do diretor à sua mãe e transforma-se num importante relato sobre um período difícil. Mais do que isso, sobre variadas formas de amor que resistem em tempos de ditadura.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.
Uma das razões pelas quais eu como o filme Infancia Clandestina está fazendo excelente ator César Troncoso, a quem eu estou sempre seguintes nas produções de teatro, cinema e tv em que participa.