Assim como o tenente 012, eu ainda não sei se falavam sério ou faziam piada. Os perceptíveis sustos com os barulhos de tiro no início do espetáculo não se equiparam ao tiro perceptível que ecoou ao final da peça. “Guerra, formigas e palhaços” é pra sentir tudo isso, do bombardeio à miudeza, e questionar-se ainda mais.
Com um roteiro sensível, até mesmo as piadas fazem parte de um diálogo frágil e comovente. Em cinco meses de convivência hostil diária, o tenente 012 e o soldado 033, se engraçam até com seus sobrenomes depois de tanto tempo se conhecendo apenas por seus postos e números, um padrão que lhes rouba a própria identidade.
Desamparados e perdidos, em si e na guerra, o batalhão de dois homens recorre à insanidade de ter fé até em estrelas cadentes e num rádio mudo, que não responde ao pedido de resgate e reforço.
Até que suas preces são amparadas na figura de um palhaço de humor peculiar e duvidoso que vem prometendo salvá-los. Um personagem que trava mais uma batalha de conflitos pessoais e sanidade mental nos soldados, com suas estratégias suicidas, novelas mexicanas e um circo de formigas.
O medo do desconhecido, então, só encontra redenção quando abraça a loucura. E talvez, para a solidão desvairada a melhor solução seja simplesmente apagar a luz.
“Guerra, formigas e palhaços”, do Grupo Estação de Teatro, que foi apresentado no último domingo, 22, no Teatro Riachuelo, pelo projeto Jornada Cultural, merece rodar o Brasil inteiro e acertar como uma bomba todos os questionamentos sobre o ser humano e a sua decadência, violência e solidão. E nos ajudar a não matar um palhaço por dia que nos estapeie com um dos seus “você leva tudo muito a sério”.
O meu tiro ainda sangra e ainda estou parada prestes a chorar no Teatro Riachuelo em dúvida se eles falavam sério ou faziam piada.