“Bandeira de Trapos”, de Themis Lima: fronteiras costuradas a sonho

Eu devia ter dezessete ou dezoito anos – não lembro a idade ao certo, mas me lembro do que planejava, no meu delírio de ter que provar a mim mesmo que podia estar sozinho e longe, viajar pelos buracos mais esburacados da América do Sul, acompanhando meu time de futebol pelos estádios mais hostis do continente numa Copa Libertadores da América.

Themis Lima não obedeceu a nenhuma histeria futebolística, mas em seu livro Bandeira de Trapos, lançado neste fevereiro de 2014, pela editora Tribo, creio que ela deu voz a este mesmo ímpeto, deixando um belo resultado. Belo como um todo.

foto bandeira de trapos

Sim, antes da voz em palavras, não tem como não elogiar a beleza física do livro; capa, ilustrações, acabamento gráfico, fotografias. Estas fotografias ficaram a carago da própria Themis, e as ótimas ilustrações são trabalho de Aureliano Medeiros.

chaves resenha bandeira de traposSobre a voz das palavras, tratando-se de um livro-reportagem, a autora anuncia: “as pessoas são feitas de histórias. Cada uma delas recria, no seu espaço íntimo e particular, uma versão da macro-história a que foram submetidas”. As pessoas feitas de histórias, sobre as quais os capítulos do livro nos contam uma a uma, são sul-americanos que compartilharam porções de suas vidas durante a viagem pelo continente que fez Themis, principalmente pela Argentina, país em que se concentra maior parte da obra.

Por meio das histórias individuais, há a intenção de oferecer o retrato do continente sul-americano, que é mais comumente cenário na literatura de derramamento de sangue. Grandes massacres, violência e opressão. Sempre a manada vista de cima. Em Bandeira de Trapos pretende-se não negar esse histórico, mas conferir uma visão alternativa, dando a voz aos indivíduos, afetados direta ou indiretamente pelos desmandos e opressão.

Da parte que cabe a nós, leitores, interpretar cada lição que os “viajantes” que passam pela autora deixam, há uma maior, da utopia da autora. De seu sonho, que é o de muitos. No capítulo “Que seus dias brilhem”, em que acompanhamos um jovem chileno chamado Luis com “uma vontade inesperada e mística de cruzar fronteiras” e que vai de ônibus em ônibus com seu violão, em Buenos Aires, a cantar músicas românticas, inspiradas por seu amor, por quem está a procura, a mulher que ele resolveu chamar de Ana.

“Não eram moinhos de ventos que Luis perseguia. Era sua Ana.”, o jovem e aventureiro Luis, que enfrenta desertos e polos pelo seu ideal. O sonhador-personagem, conceito em que pode também se encaixar a própria autora. A sua visão de um continente unido, as bandeiras e as fronteiras costuradas a sonho. Aqui ela constrói o cenário que tantos outros jovens desejam contemplar num futuro, espelhado nas bandeiras e cartazes que saem às ruas, como dito no capítulo “Com tudo o que havia na cozinha”.

Se estamos diante dum Quixote enxergando mais que moinhos de vento, não importa. Como disse no início do texto, um livro como este só teria sido possível com Themis Lima dando voz ao seu ímpeto, o mesmo que para mim ficou apenas no delírio. O resto são histórias. Boas histórias.

bussula bandeira de trapos

FICHA TÉCNICA:

Bandeira de Trapos, de Themis Lima
Gênero: Livro-reportagem
Ilustrações: Aureliano Medeiros
Editora Tribo
206 páginas
Valor: R$ 30
Lançamento: 27 de fevereiro de 2014
*O livro custará R$ 28 reais no lançamento.

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Jair Farias
Colunista de Literatura. Autor do livro de contos “Virando Cachorro a Grito”(2013). Vive pela ficção e espera no futuro poder viver dela.
Jair Farias

Jair Farias

Colunista de Literatura. Autor do livro de contos "Virando Cachorro a Grito"(2013). Vive pela ficção e espera no futuro poder viver dela.

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