Para permanecerem vivos, alguns clássicos da literatura se reinventam. É o caso de Peter Pan, que retornou muito recentemente às prateleiras das livrarias e também às telonas dos cinemas na versão de 2015 dirigida por Joe Wright, “Pan”.
Apesar dos seus mais de 100 anos de existência, quando o escritor escocês deu vida ao garoto com dentes de leite que sabia voar, a história de Peter Pan continua sendo uma boa fábula para se perpetuar. Amizade, a crença indubitável em sonhos e em si mesmo, e o combate à ganância são alguns dos valores difundidos pela história de Peter e os garotos perdidos na história que se passa na Terra do Nunca.
Para entender o retorno de Peter ao imaginário infantil – e dos adultos mais nostálgicos também – faz-se necessário compreender os ícones que permeiam a nossa década. Ora, fadas, piratas e a habilidade de voar há muito não são mais elementos que empolgam; por sua vez, as habilidades visuais de uma era movida pelo espetáculo e pelo belo se fortalecem a cada dia e cumprem o seu papel de deslumbrar uma geração.
É esse o artifício utilizado pelas produtoras e editoras que resolvem reconstruir a história. Em “Pan” (2015), por exemplo, o roteiro de Jason Fuchs concedeu-se a liberdade de criar e extinguir personagens, modificar cenários e até reconstruir relações que nos pareciam consolidadas na história original. É a quase sempre boa mania moderna da desconstrução. Na verdade, a história se passa antes da narrativa apresentada por Barrie. Aqui, não temos uma Wendy e seus irmãos, Sininho não aparece em mais que uma ponta, e Capitão Gancho… digamos que ainda não tem um gancho no lugar da mão. Tudo isso, ornamentado por uma direção de arte irretocável e elementos que geram identificação em mais de uma geração (atentem para as referências musicais explícitas a Nirvana, por exemplo), contribui para assistirmos a uma história nova e digna de surpresas do início ao fim.
O mesmo não acontece na reedição literária proposta pela Editora Martin Claret. Aqui, há a responsabilidade de se manter o respeito ao autor e sua obra original. No entanto, acreditem, esta não é só mais uma edição de Peter Pan. O zelo estético é o que faz com que o leitor queira essa obra como a opção definitiva na estante. A capa dura com ilustração de Weberson Santiago é apenas um aperitivo do que encontramos por entre as páginas do livro. A diagramação é do tipo que estimula a fome de leitura – é quase impossível largar o livro quando acaba um capítulo e somos arrebatados pelas artes caprichosas do ilustrador, e perfeitamente harmonizadas com o texto da primeira página do capítulo seguinte. Um primor!
O conselho desta que vos fala é: permita-se reviver, ou desfrutar pela primeira vez (como é o meu caso), os clássicos supracitados da sua infância. No entanto, observe com cautela por onde anda a sua sombra e se seus pés estão firmes no chão. Se algum dos dois parecer, em algum momento, fora do lugar, significa que você está mais perto de Neverland do que deveria – mas você sempre pode preferir se deixar guiar pelo pó das fadas.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.