Que os estúdios estão pegando gosto pela produção de versões “adultas” dos contos de Grimm, não é novidade. Penso que a ideia seja válida e até gosto, mas igualmente verdade é o fato de que poucas dessas adaptações cinematográficas das histórias da nossa infância têm saído com alguma qualidade, seja a nível de produção, roteiro e até mesmo atuações.
O que acontece é que geralmente todo o dinheiro vai para nomes de peso e que estão em alta (vide Amanda Seyfried em “A Garota da Capa Vermelha”, 2011, ou a própria Kristen Stewart em “Branca de Neve e o Caçador”, 2012), efeitos especiais ou uma produção que o valha, abdicando de uma boa direção ou roteiro que seja, no mínimo, decente. Em João e Maria – Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters, 2012), o que acontece é ainda mais crítico. Sim, temos lá um Jeremy Renner como protagonista, que, claro, não é nenhum Tom Cruise a nível de mídia, mas ao menos a nível de talento fica um pouco acima. Para quem não se recorda do nome, Renner tem aparecido em algumas produções de peso ultimamente. Entre elas, O Legado Bourne (2012), Os Vingadores (2012), Thor (2011), Guerra ao Terror (2009) e Missão Impossível: Protocolo Fantasma (2011). Falando de elenco, esse é o único nome (com visibilidade atualmente) que podemos destacar. A nível de roteiro e produção, bem, o filme é ridículo.
Gemma Artenson e Jeremy Renner como Gretel e Hansel |
“Hansel and Gretel” começa relativamente fiel ao conto dos irmãos Grimm. Os protagonistas são deixados na floresta pelo pai e depois de esperarem algum tempo, começam a andar em busca de ajuda, até que encontram uma casa feita de doces. Lá, pedem ajuda, enquanto se alimentam. Ingênuos, entram na casa e são sequestrados por uma bruxa, que pretende matá-los. Contudo, espertos, os garotos acabam por empurrar a bruxa em seu forno e matá-la. Desde então, se tornam referência no ramo de caça a bruxas e levam a vida a venderem seu talento adquirido na infância.
No início, o filme exibe ilustrações ao mesmo tempo que vai contanto a evolução da “carreira” de João e Maria a partir de recortes de jornais. Até gostei dessa parte, criativa. Mas o que vem depois não deixa dúvidas de que a intenção da produtora é mesmo enquadrar o filme na categoria do “novo trash”. O sangue aparece a todo tempo como se fosse água, e a partir de meios mais bizarros imagináveis. A produção parece ser desleixada e o cuidado com detalhes como maquiagem e figurino, por exemplo, é praticamente inexistente.
À direita, a finlandesa Pihla Viitala como Mina, a bruxa boa |
A nível de roteiro, a estória não passa de algo meia boca, que parece ter sido escrito em uma tarde, a fim de unir várias cenas de ação. Os personagens, com exceção de João e Maria, são terrivelmente mal construídos e parecem brotar a qualquer momento para fechar lacunas do roteiro. A vilã do filme, a bruxa Muriel (Famke Janssen), surge do nada e explica as suas razões em uma cena de dois minutos. Quanto aos pais de João e Maria e à bruxa boa, Mina (Pihla Viitala), são personagens previsíveis, cujas histórias já podem ser completamente deduzidas na primeira meia hora de filme. Apesar de simplista e feito para subestimar quem assiste, o roteiro do filme é compreensível e nervoso – nunca demora muito remoendo um mesmo ponto, o que mantém o espectador atento.
Quanto à direção, o norueguês Tommy Wirkola – quase estreante, visto que “João e Maria” é seu primeiro longa-metragem de maior destaque – tenta o possível com o que tinha nas mãos, fazendo questão, é claro, de escolher os ângulos que nos fizessem engolir o máximo de sangue possível do filme. A minha recomendação para ele é que invista no trash, o cara até tem talento, quem sabe se optar por uma produtora diferente…
Famke Janssem se esforça para parecer convincente como Muriel |
Um aspecto do filme do qual eu devo polpar de alfinetadas maiores são as atuações. O americano Jeremy Renner (Hansel/João) faz um bonito par com a inglesa Gemma Artenton, que interpreta sua irmã Gretel/Maria, conhecida pelo penúltimo filme do agente 007 (Quantum of Solace). Gretel se torna uma mistura de Anna Valerious (de Van Helsing, 2004) com a calça de couro usada por Olivia Newton-John em seu número de You’re the only that I want (Grease, 1978). Mesmo com figurino e produção trabalhando contra, os dois estão bem, e parecem confortáveis e convincentes no papel. Já a atriz holandesa Famke Janssem, que parece ter ficado invisível desde a sua Jean Grey em X-Men, retorna um pouco deslocada como a bruxa malvada Muriel, que comanda a convenção das bruxas mais bizarra que já vi desde a de Anjelica Huston (Convenção das Bruxas, 1990). A bruxa boa, Mina, tem como intérprete a novata finlandesa Pihla Viitala, que ninguém sabe quem é, mas certamente eu saberei depois desse filme. Apesar de não ter demonstrado talento estonteante nessa estreia, Phila é dotada de beleza estranha e de um carisma que cativa. Posso dizer que, de todo o filme, o elenco é o único elemento que se salva.
Ao menos os produtores tiveram senso ao fechar o filme com tímidos 88 minutos. O suficiente para tentarmos nos divertir com as cenas, que podem ser classificadas como insuportáveis ou engraçadas, depende do humor de quem assiste, e não odiarmos “Hansel and Gretel” a ponto de deixar a sessão antes do seu término. No fim das contas, o que “João e Maria” se propõe a fazer é um trash sangrento e ridículo. E no frigir das gemas, depois do bater das claras, na categoria trash sangrento e ridículo, o filme ainda consegue ser mediano.
O mais engraçado é que, ao fim de tudo, o roteiro dá uma justificativa pouco convincente para que a história continue. O gancho é que – mesmo com toda a publicidade que os irmãos têm desde crianças – apenas agora as bruxas realmente sabem de sua existência e irão caçá-los, e eles a elas. Quer dizer… se colar, é bem provável que venha mais disso por aí.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.