Quando Bryan Singer elaborou sua proposta para X-Men: O Filme (2000), fez dos mutantes uma pertinente alegoria aos homossexuais e a discriminação que sofrem da sociedade. Tal abordagem ajudou na construção mais crível daquele universo e de seus personagens. Entretanto, mesmo com tamanho viés social, o mundo iniciado por Singer jamais foi tão humano como o criado por James Mangold em Logan (2017).

Passado em um futuro no qual mutantes estão praticamente extintos, Logan acompanha um desgastado Wolverine (Hugh Jackman) que trabalha como motorista de limousine e é responsável por cuidar de um idoso e debilitado Professor Charles Xavier (Patrick Stewart). Quando uma criança mutante surge, Wolverine se vê obrigado a defendê-la de pessoas mal-intencionadas.

Escrito por Scott Frank, Michael Green e pelo diretor Mangold, o roteiro vai na contramão das produções do gênero e foca no desenvolvimento de personagens. Optando por poucas sequências de ação, o enredo simples se torna ótimo plano de fundo para temas como dor, fragilidade e laços familiares. Jackman tem material muito rico para entregar sua melhor atuação no papel. A dor da perda e o peso das mortes são perceptíveis na impaciência explosiva e nos ombros carregados.

A trama pessoal faz do desgaste causado pelo tempo o grande vilão. Rugas, cabelos brancos e cicatrizes compõem a estética cansada de um homem que já não apresenta o vigor físico habitual e nem o característico fator de cura em seu esplendor. Atentem ao eficiente detalhe da garra que não sai por completo, exemplo singelo e eficaz de debilidade. Também vemos um protagonista psicologicamente quebrado que não distingue mais entre certo e errado.

O laço familiar mantido entre Logan e Xavier é muito bem construído. Enquanto o primeiro precisa trabalhar para manter a saúde do segundo, este vive trancafiado e sob efeito de remédios. A estremecida relação ganha belos contornos quando a pequena Laura (Dafne Keen) aparece e os três passam algum tempo juntos. A proximidade renova no professor o sentimento de união, que é reproduzida com delicadeza na cena em que o trio divide uma mesa de jantar com outra família.

Visualmente, Mangold cria a estética necessária à história. A paleta de cores destaca o calor do deserto ao passo que segue dessaturada, refletindo a vida sem brilho dos personagens. A brutalidade visceral das batalhas, enfim, transmite a selvageria natural de Logan nos poucos e ágeis momentos de luta. Inspirado nos faroestes, o filme é árido, sujo e nocivo. Outras referências ao gênero surgem como no cartaz clássico pendurado numa parede e na relação adequada com Os Brutos Também Amam (1953).

Porém, a obra não sai imune a alguns tropeços. Embora seja bem desenvolvido, o roteiro perde intensidade diante da previsibilidade. A cena do Professor desabafando na cama, o objeto carregado por Wolverine e o remédio que auxilia na recuperação têm trajetórias óbvias. Além disso, o rival físico do protagonista é uma forçada metáfora do dilema pessoal que já havia ficado explicito.

Eficiente, a computação gráfica fraqueja em dois momentos. Na primeira sequência de Laura, é perceptível que, em alguns movimentos, a atriz fora substituída por um elemento artificial. Mesmo que não afete o andamento do combate, enfraquece a estética. Outra cena que se destaca negativamente é a da maca sendo erguida na montanha, evidenciando o recorte mal feito do Chroma Key.

Patrick Stewart entrega pesar e arrependimento com seu Charles refém da própria mente. Por outro lado, o carinho por Logan chega ser palpável e emocionante. A estreante Keen é surpreendente, dona de uma agressividade convincente. Mais abaixo está Boyd Holbrook, embora componha Pierce com certeiros cinismo e malícia.

Contundente, selvagem e brutal, Logan é a despedida que Hugh Jackman merecia após dedicar tanta devoção. Sóbrio, encerra um ciclo de forma madura e eficiente. Bom demais para ser considerado apenas um filme de gênero.

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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