‘Mãe!’: Aronosfky explora os limites da arte e nos entrega cinema de primeira qualidade

Minha primeira impressão palpável sobre Mãe! foi a surpresa. Surpresa por encontrar uma sala cheia para ver, depois das 22h, um filme de Darren Aronofsky. Não apenas por isso, mas porque, segundo as críticas e comentários sobre os filmes, este é o mais controverso, o menos acessível e o mais incômodo dos filmes do diretor.

É difícil falar sobre o que é o filme sem dar spoilers, embora se você ainda não foi ao cinema para assisti-lo, você provavelmente merece um pouquinho. Mãe! É daqueles filmes que merecem ser vistos na telona, filmado e sonorizado de forma a se tornar uma experiência completamente imersiva. Ainda assim o filme consegue ter um caráter tão único, que ao mesmo tempo que suga você para dentro da casa, ele também ganha novo significado ao ser assistido entre suspiros e sussurros de estranhos, dentro de uma sala escura.

Falando em casa, sim, Mãe! se passa inteiramente dentro de uma casa, isolada no campo. E ainda assim, é um dos filmes mais dinâmicos que você verá esse ano. Javier Bardem e Jennifer Lawrence são um casal um tanto estranho. Ele é um poeta, que passa por um grave problema de bloqueio criativo; ela, uma companheira dedicada que claramente o ama e o adora, mas ele parece sempre ter coisas mais importantes a fazer do que, inclusive, dar um pouco de amor em retorno. Numa noite eles recebem a visita inesperada de um suposto médico, interpretado por Ed Harris. Enquanto Mãe (Lawrence) parece extremamente surpresa e incomodada, Ele (Bardem) encara com naturalidade e o convida para passar a noite com eles. Homem (Harris) se mostra muito mais a vontade do que deveria na casa de estranhos, enquanto Ele claramente aprova e incentiva esse comportamento e causa ainda mais incômodo no personagem de Lawrence. Isso aumenta de forma absurda quando no dia seguinte Mulher (Michelle Pfeiffer) também aparece, seguida pouco tempo depois por seus filhos. De repente, Mãe passa a se sentir uma estranha em sua própria casa.

Percebeu que nenhum dos personagens tem um nome real aqui, não é?! Assim como não temos nenhuma referência nominal a locais, obras ou o que quer que seja. Isso porque tudo nesse filme é um espaço a ser preenchido, tudo pode ser ressignificado de acordo com sua visão. Isso é uma marca incrível do cinema realizado por Aronofsky. Ele consegue impor de forma tão forte sua visão e ao mesmo tempo permitir que o espectador contribua com sua parcela. Mãe! é uma grande metáfora, sobreposta e complementada por outras grandes metáforas e permeadas por metáforas menores. Ele joga uma tonelada de referências na tela, algumas por um segundo, e é nossa função como espectador montar o quebra-cabeça. Algumas peças, mesmo notadas são difíceis de decodificar de cara. Mas nada, absolutamente nada, está ali por acaso.

Em certo momento, determinados planos e diálogos apresentam, para aqueles que ainda não tinham chegado lá, o significado maior do filme. A metáfora principal passa a ficar clara. E é justamente nesse ponto onde o diretor começa a atirar em nossa direção ainda mais e mais camadas de significado. Ele nos dá um segundo para respirar, mais um para refletir, um para nos questionar e em seguida nos joga dentro de um redemoinho de loucura que só tem fim na última cena.

O filme parece refletir não apenas o resultado de um processo criativo, mas o próprio fluxo criativo do diretor, em forma de caos controlado. A impressão que temos é que as ideias são atiradas em nossa direção conforme elas vão sendo concebidas, tamanha a torrente de coisas que acontecem na tela, numa velocidade absurda, e nos cercando por todos os lados. Nos cercando, sim, como espectadores e como personagem, porque desde o princípio Aronofsky faz questão de nos colocar na pele do personagem-título do filme.

Obviamente isso é garantido pela atuação absolutamente estonteante de Jennifer Lawrence. Javier Bardem é outro que está absurdamente bem, assim como todo o elenco, mas não nos enganemos: o filme é de Lawrence, que nos entrega uma performance cheia de nuances, que vai da pureza e inocência à fúria destruidora, retornando à fragilidade.

Darren sempre teve uma linha bem definida no seu trabalho, mas com Mãe! ele dá um passo à frente, explorando os limites da arte e do cinema comercial, construindo um filme que fica preso dentro de nós muito tempo depois de sairmos da sala de cinema e gerando um nível de discussão que demanda nada menos do que muito, muito respeito. No que é, até agora, o filme do ano, Aronofsky consegue apresentar em 2h o ciclo da eternidade.

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Victor Hugo Roque
Victor Hugo Roque

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