Até onde se vai para salvar quem se ama? Os mais corajosos diriam: “até o fim do mundo”; outros comedidos ponderariam e responderiam algo como: “até onde desse”; e os mais apaixonados e religiosos talvez dissessem: “até o inferno”. Hugo Ribeiro, protagonista da graphic novel “O Evangelho Segundo o Sangue” é um homem de fé, valente como só os homens de uma Natal provinciana poderiam ser. A obra de Marcos Guerra e Leander Moura é repleta de referências históricas e terror. Após ter acompanhado as duas edições anteriores que foram lançadas em formato de revista, aguardava pelo desfecho da história e, por fim, pude conferi-lo na edição única que será lançada este sábado (18) na Livraria Nobel da Salgado Filho, às 19h.
A história se passa em uma Natal do século XIX. Elena, esposa de Hugo Ribeiro, está em seu leito de morte e admite ao marido ter se deitado com um ser obscuro por três vezes. Partindo da confissão da esposa, o personagem principal segue em tortuosos caminhos para salvar a alma de sua amada e desvendar as causas de sua morte prematura, deixando em casa sua filha, Ana. À procura de respostas e sedento por vingança, Hugo sai em busca daqueles que possam ajudá-lo nessa saga de autoconhecimento e terror psicológico.
Católico, como os bons homens de seu tempo deveriam ser, Hugo segue o rastro daquele que supostamente teria se deitado com suas esposa. Para chegar ao cerne da questão e esclarecer suas dúvidas, o personagem é guiado por uma índia que lhe fornece pistas de como encontrar o tal amante. Seria calhordice minha revelar o dito cujo, mas adianto que é um ser que muito atormenta a vida dos que têm fé.
Traição e vingança são temas recorrentes na literatura e também são ótimos impulsionadores de narrativas. Assim como Bentinho que piamente jurava que tinha sido traído por Capitu, no clássico de Machado de Assis “Dom Casmurro”, Hugo quer desmascarar a face daquele que se deitou em sua cama com Elena. Os caminhos percorridos pelo personagem estão ligados aos elementos do catolicismo, com referências históricas que vão desde os Cavaleiros Templários às naus portuguesas que aqui aportaram. A pesquisa histórica para o épico de terror dos autores contou com a luxuosa ajuda da historiadora Larissa Neves. Textos históricos são usados para introduzir cada capítulo, dando uma melhor compreensão do leitor do que foi aquele período.
Diferente de uma história convencional ou mesmo “industrializada” que são tão consumidas e lançadas mercado afora, “O Evangelho Segundo Sangue” tem características próprias e não é apelativo para garantir-se. O artista, Leander Moura, responsável pela parte artística da obra, foi muito feliz em não se prender nos mínimos detalhes históricos e arquitetônicos da Natal provinciana, as referências da cidade no ano de 1810 estão nas páginas, mas mais que isso, a aura e o clima soturnos enegrecem a obra, nos remetendo assim ao subconsciente do protagonista. Sem manter nenhuma referência ao anatômico perfeito visto nos quadrinhos de super-heróis, Leander assume um traço único, gótico com contrastes de claro e escuro pode ser um entrave na leitura para os menos acostumados, mas para aqueles que se interessarem pela narrativa de Marcos Guerra, não.
O texto de Guerra tem um tom poético e narra as desventuras de um homem atormentado pelos pecados dos que lhe cercam. “O Evangelho” bebe da fonte dos contos de terror à la Edgar Allan Poe, como também do conterrâneos autores do selo Maturi que narram o Rio Grande do Norte e seus personagens nos quadrinhos. A obra de 180 páginas é um dos bons frutos da safra dos quadrinhos potiguares dos últimos tempos. A edição definitiva e encadernada de “O Evangelho Segundo o Sangue” poderá ser adquirida a partir deste sábado (18) ao valor de R$ 40. Os amantes de terror e os fãs de histórias em quadrinhos de um modo geral certamente hão de se entreter e gostar da graphic novel.
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
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