Acabo de sair de uma sessão do novo Power Rangers – Saban, à qual me dirigi movida em 20% pela curiosidade e 80% pelo sentimento de nostalgia de um dos meus programas favoritos da infância. Não nutria esperança de que o filme constituísse uma obra cinematográfica de tirar o fôlego, ou mesmo de encontrar qualquer inovação narrativa que surpreendesse, afinal, trata-se de uma receita bastante confortável em sua posição já consolidada de clichê, e, cá para nós, alterar alguns elementos básicos da franquia a fim de renová-la poderia ser um tiro no pé. Como esperado, a produção contentou-se com seu lugar seguro e entregou um filme agradável e que cumpre bem o seu papel de rememorar a franquia adaptando-a à realidade recente.
No entanto, algumas sutis adaptações foram feitas. A que mais me agradou – e sobre a qual dissertarei nesse artigo – trata-se da opção feita para os perfis dos protagonistas. Power Rangers – Saban manteve algumas características clássicas, mas integrou com perfeição e naturalidade características inclusivas em cada um dos personagens.
Comecemos pelo meu personagens favorito do filme, Billy, interpretado pelo carismático RJ Cyler. Não é novidade que o Ranger Azul é o “nerd” do grupo. Em outras edições, foi representado por um homem branco, gentil, paciente e usuário de óculos. Em Saban, a figura é outra. Billy, aqui, é negro (geralmente os atores negros eram exclusivos, de forma bem óbvia e, por que não dizer racista, ao Ranger Preto, ou à Ranger Amarela, para gerar contraste com a Ranger Rosa, sempre branca e geralmente loira) e autista, deixando isso óbvio desde o início da película. Essa foi a característica que mais me chamou atenção. Afinal, com quantos super-heróis autistas (ou detentores de qualquer outro distúrbio neurológico) vocês já se depararam no cinema?
Trinity (Becky G), a Ranger Amarela, é outra surpresa. Com altura abaixo da média para os padrões hollywoodianos e traços latinos, a personagem ainda insere a deixa de que sua sexualidade também não é convencional. Nada explícito é apresentado no filme, mas ao que tudo indica, Trini é lésbica e lida com problemas de aceitação em sua casa.

Os outros três Rangers, podemos dizer, não trazem grandes inovações de perfis, mas ainda assim possuem características particulares que merecem ser citadas. Zack (Ludi Lin), o Ranger Preto, por exemplo, faz muito bem a linha bad boy já tradicional ao personagem. Mas não é bem o que podemos chamar de garoto americano padrão. Ele é estrangeiro e cuida sozinho da mãe doente, com quem fala em japonês (suponho) em todas as cenas de sua vida privada.

Já Kimberly (Naomi Scott), a Ranger Rosa, também abdicou do papel de patricinha modelo da escola e, após cometer um erro pelo qual se culpa, é “excluída” do grupo das garotas cool e acaba indo parar numa sala de detenção. Exercício de desconstrução de estereótipos bem interessante. Por fim, Jason (Dacre Montgomery), o Ranger Vermelho, é um talentoso atleta com potencial, mas julgado por alguns desvios comuns da adolescência. Também não é bem um modelo a ser seguido, mas assume o papel de líder do grupo como forma de se redimir consigo mesmo.

Em suma, todos os “escolhidos” são anti-heróis ou heróis pouco convencionais, o que torna a trama mais realista e envolvente. Se o reboot de Power Rangers não saiu do lugar comum nos quesitos narrativa, elementos clássicos e previsibilidade, certamente cumpriu bem o seu papel de dar aos fãs ídolos menos normativos e mais heterogêneos. Ponto para a sensibilidade e representatividade.

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.