“RoboCop” de Padilha é melhor do que aparentam as opiniões divergentes

A primeira experiência em Hollywood de José Padilha (Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro) tem dividido opiniões. Críticos gringos e brasileiros depositaram no remake do filme de Paul Verhoeven (Instinto Selvagem) muita expectativa e uma ânsia pelo mesmo impacto. Afinal, é justo esperar demais de um caça-níquel?

Num futuro onde a sociedade estadunidense se divide entre permitir ou não o uso de máquinas bélicas na segurança local, a empresa OmniCorp tenta vender seus produtos. Porém, segundo a lei, máquinas não têm o discernimento humano. É quando entra em jogo o detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman, da série The Killing). Após sofrer um duro atentado, a única maneira de sobreviver é ter sua consciência inserida numa máquina, novo projeto da OmniCorp para dar à nação a eficiência das máquinas e o fator humano.

Alex Murphy acorda após o acidente

Antes de adentrar no filme, consideremos o seguinte: após ser obrigada a declarar falência, a Metro-Goldwyn-Mayer, detentora dos direito autorais de RoboCop, precisou passar ações aos credores para quitar dívidas que somam, segundo o Estadão, 5 bilhões de dólares. Agora tentando se reerguer, a MGM começa a trabalhar para reaver as ações. Parte de seu projeto está na refilmagem do policial do futuro que havia sido cancelada por falta de verba. A então direção de Darren Aronofsky (Cisne Negro) caiu nas mãos de Padilha. Esses fatos deixam bem claro que a intenção da refilmagem do clássico de 1987 é arrecadar fundos. Dito isso, voltemos ao filme…

Partindo da premissa original, o remake toma seu próprio caminho. Dessa vez, a história se centra no conflito gerado da situação. Afinal, até onde uma máquina pode substituir um homem? RoboCop é homem ou máquina? A todo o momento o filme questiona a OmniCorp e sua brincadeira de Deus. Com teste de eficiência abaixo do esperado, Alex passa a ser manipulado de forma a não ter pleno domínio de suas atitudes. Substâncias e tecnologia trabalham para reduzir as emoções e decisões do “produto”.

RoboCop atua em sua apresentação à sociedade

O filme ainda pincela algumas críticas à sociedade americana. Padilha e o roteirista estreante Joshua Zetumer colocam seus dedos em feridas estadunidenses como a corrupção na polícia e a sugestão de envolvimento político, a manipulação da mídia sensacionalista, a paranoia por segurança e sua influencia em conflitos externos.

Comparações desnecessárias são feitas entre o original e a refilmagem. Enquanto Verhoeven teve total liberdade para realizar sua paródia satírica e violenta, Padilha recorre ao lado mais filosófico da situação como resposta ao cerco do estúdio. A liberdade em demasia do filme de 1987 é matéria prima escassa para o diretor brasileiro. Ilusão de quem achou que um diretor daqui conseguiria impor todas as suas vontades em seu primeiro trabalho em terras gringas.

É injustiça exigir hoje a mesma atmosfera de um filme autoral dos anos 1980. A censura classificativa é mais atuante e fazer um filme 18 anos é correr o risco de perder dinheiro. Com tudo isso, é louvável que o diretor brasileiro tenha conseguido inserir alguma inteligência num enlatado hollywoodiano (feito bem mais ousado que o pífio Os Vingadores, por exemplo).

O filme de 2014 não se posiciona entre os questionamentos apontados na trama. Com pontos de vistas da ciência, do ser humano, da política e da sociedade, o roteiro sabe apontar características positivas e negativas sem pender para nenhum lado da balança.

No setor técnico, a produção é bem interessante. As cenas de ação são bem elaboradas uma vez que o filme não foi concebido para ser um festival de bala. Com o intuito de mostrar a criação do personagem título, as cenas entram em momentos oportunos e não se estendem desnecessariamente. Destaque para a sequencia no breu onde RoboCop enfrenta um grupo de bandidos.

A fotografia do brasileiro Lula Carvalho (Tropa de Elite 2) se utiliza de câmera de mão, bem próxima dos atores, oferecendo o caráter presencial ao público. O trabalho de câmera também é louvável na sequência  em que Alex vê o que restou dele após o acidente e quando o protagonista encontra seu filho num plano inteligente mostrando seus lados máquina e humano e acentuando a distância e tentativa de aproximação de pai e filho. Outra boa cena é a que Clara Murphy (Abbie Cornish, Sem Limites) é enquadrada de maneira solitária após vermos sua tentativa de aproximação de Alex. Além de Lula Carvalho, RoboCop ainda conta com o compositor Pedro Bromfman (Tropa de Elite 2) e o editor Daniel Rezende (A Árvore da Vida). Ambos brasileiros e colaboradores de Padilha.

Alex e Clara se reencontram

Nas atuações, Kinnaman não empresta nenhum carisma ao seu Alex e nem mesmo ao RoboCop, embora funcione melhor como o segundo devido a sua falta de expressão. Cornish além de emprestar beleza… É! Só empresta a beleza. Já o pessoal da OmniCorp têm atuações mais atraentes.

Michael Keaton (Batman) se livra de alguns trejeitos caricaturais e interpreta com eficiência seu Raymond Sellars ao mantê-lo como antagonista, não um vilão. Gary Oldman (Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge) está muito bem como o Dr. Dennett Norton, cientista responsável pelo projeto. Samuel L. Jackson (Django Livre) encarna Pat Novak, um âncora ultranacionalista e sensacionalista que representa a visão arrogante que os Estados Unidos têm de si.

Representantes da OmniCorp assistem ao teste final do RoboCop

É importante deixar claro que a película não é isenta de falhas. Devido à impossibilidade de se aprofundar nas críticas, o filme pincela muitos assuntos deixando-os pouco aprofundados. A falta de violência não chega a ser um problema, mas descaracteriza a Detroit “perigosa” já que não vemos criminalidade explicita ao ponto de precisar de um RoboCop nas ruas. O filme também escorrega em seu clímax. Na ausência de um vilão caricatural, o filme se dá a necessidade de transformar alguns personagens em “caras maus” aleatoriamente. O que rende certo desconforto é uma cena que beira o ridículo por, involuntariamente, trazer lembranças do personagem cômico Joseph Klimber.

Mesmo sem a sátira pesada do original, RoboCop tem características interessantes que o transformam num filme diferente, homenageando a obra inspiradora em momentos oportunos. Porém, não podemos exigir desta nova visão um conteúdo tão forte sem a liberdade de trabalho necessária. Sob muita pressão e interferência do estúdio, Padilha ainda conseguiu deixar sua assinatura, tanto visual quanto social. Por isso tudo, digo com muita felicidade que Padilha foi bem mais além e bem mais inteligente que o esperado.

Cartaz do filme

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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