Tiê fez show para fãs em abertura da Cientec

Atrasada. Assim estava eu para a entrevista marcada com a cantora paulista Tiê nessa terça-feira, 22. Em meio ao trânsito nada simpático e amistoso da capital potiguar eu olhava pro relógio enquanto escutava “Entregue-se”, composição da cantora. Eis então que entreguei-me ao balanço da sardinha que chamamos de transporte coletivo e também à ideia de que se eu conseguisse uma única pergunta com a musicista estaria no lucro. Interrompi meu mantra musical com uma ligação da editora-chefe deste site querendo saber se eu já havia chegado ao local da entrevista e eu penso: “lasquei-me, perdi também o trampo!”. Mas o avião que trazia Tiê entendeu que a repórter que vos escreve anda sempre em um tempo diferente do relógio normal e caprichosamente atrasou o voo da artista, pra num atraso só todo mundo se encontrar.

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Num fôlego de deixar quenianos com inveja desci do “busão” e numa carreira só atravessei a passarela da BR 101, na altura dos dois shoppings populares da zona sul natalense. Em menos de dez minutos consegui chegar à praça cívica do campus universitário da UFRN, sem enfartar, bom sinal! E ao perceber que ainda estavam montando o palco, me dou ao luxo de recostar-me em uma cadeira da plateia e tomar bons goles d’água. Olho a hora e são 16h15min. Junto-me a um pequeno grupo de jovens estudantes de jornalismo que também irão entrevistar a cantora, olho a hora novamente e são 16h30min. Acho que é hora de orientar você leitor sobre nossa entrevistada.

Tiê Gasparinetti Biral já foi modelo da conceituada agência Ford Models, possui formação em Relações Internacionais pela FAAP, estudou canto em Nova York e também foi proprietária de um Café Brechó. Em seu café, Tiê conheceu o tecladista Dudu Tsuda (Pato Fu, Jumbo Elektro, Cérebro Eletrônico e Trash Pour 4) e o cantor e compositor Toquinho. Seu contato com o cantor da bossa nova lhe abriu as portas na música, a jovem cantora acompanhou Toquinho em turnê pelo Brasil e Europa. Em 2007 a moça de olhos apertados, voz suave e canções tranquilas lança um EP com quatro músicas que integrariam seu primeiro disco, “Sweet Jardim” (2009) produzido pelo produtor e multi-instrumentista, Plínio Profeta. Um violão, uma voz e um bocado de composições autorais, essa foi a fórmula do seu primeiro trabalho, contando com a participação de músicos da cena independente de São Paulo e de Toquinho nos violões da música que dá nome ao disco. Tiê se apresentou no cenário musical brasileiro e logo agradou ao público e à crítica e o segundo álbum, “A Coruja e o Coração” (2011), também foi extremamente bem aceito.

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O palco do anfiteatro da XIX Cientec – Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura por fim estava pronto e Tiê descia de uma van cor prata, o relógio marcava 17h10, acompanhada da sua banda, que àquela tarde resumia-se ao guitarrista Renato Galozzi. Com um ar relaxado e sem estrelismo algum, a cantora deu uma coletiva aos poucos, porém contentes jornalistas que lá estavam. Trajando uma calça jeans, uma blusa de alça, cabelo preso em coque e óculos escuros a musicista com ar de hippie californiana que cultiva uma horta livre de agrotóxicos, no quintal de casa, foi muito simpática aos nos receber. Pela primeira vez em Natal, a moça não pôde aproveitar muita coisa da cidade, uma vez que ao final do show já viajaria para outro destino.

Ao lado de Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Tatá Aeroplano (vocalista do Cérebro Eletrônico) e Thiago Pethit, Tiê fez um show em 2009 intitulado de “Novos Paulistas” e muito se falou sobre um movimento de músicos de São Paulo e coisa e tal, ao perguntar sobre a isso a cantora esclareceu: “Novos Paulistas não é um movimento, mas sim artistas que viviam um mesmo momento e todos começamos juntos, mas cada um faz seu trabalho”. Amiga de Tulipa Ruiz, os contatos renderam parcerias musicais. Tiê compôs “A bailarina e o Astronauta” do seu 1º disco, ao lado de Gustavo Ruiz (irmão da Tulipa), que segundo ela: “foi uma das primeiras canções que eu compus que mais gostei”. A musicista em suas letras sempre foi cronistas de suas experiências e vivências, o que pode ser percebido com muita intensidade em “Sweet Jardim” (2009), de acordo com a mesma foi um processo de composição muito solitário e intimista. Já “A Coruja e o Coração” (2011) foi produzido durante a gravidez de sua primeira filha, Liz, e as músicas do disco já tinha um aura e uma conotação mais vivas e alegres.

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Com disco confirmado para 2014, a cantora está em processo de pré-produção do seu terceiro álbum, ainda sem nome. Quando perguntada sobre o que esperar do disco a moça foi muito sincera: “Minha carreira é muito recente, eu tenho só dois discos, então eu não sei ao certo como funciona o processo de composição. Até hoje eu só fiz músicas autobiográficas, agora eu também não sei se vou continuar fazendo músicas autobiográficas ou se eu tô com um pouco de preguiça das minhas histórias ou se eu vou ter de inventar outras ou roubar de alguém”.

O bate-papo foi rápido, durou cerca de quinze minutos e a impressão que ficou é de uma cantora muito pé no chão e consciente de suas possibilidades. Dona da empresa Rosa Flamingo, responsável por vender seus shows, Tiê pode variar seus formatos musicais desde voz e violão, duo, trio e banda completa, de acordo com as propostas oferecidas. As várias formações se refletem nas versões das composições, o que dá liberdade de experimentar novos arranjos musicais.

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Mãe coruja e profissional comprometida, Tiê fez shows até uma semana antes de dar à luz a sua segunda cria, a pequena Amora, e fez show uma semana depois, no Reveillon da Paulista ano passado. No clima maternal, a musicista tem planos para fazer um álbum infantil com um repertório bem variado que vai desde os saltimbancos, passando por Trem da Alegria e outras referências musicais infantis.

Com uma hora de atraso, após uma palestra de ninguém menos que Mauricio de Sousa, que emocionou desde crianças a homens feitos, a paulista subiu ao palco em um vestido longo, míope, sem seus óculos de grau, munida apenas de seu violão e seu guitarrista que ela chama carinhosamente de Renatinho. Os fãs que tiveram de esperar cinco anos para ver finalmente Tiê ao vivo estavam empolgadíssimos e não se importaram muito com o formato enxuto do show. Com um repertório que misturava músicas do primeiro  e do segundo discos, Tiê soou um tanto quanto deslocada naquele formado de “duo”, para um palco tão grande. Mas acho que pra muitos fãs ali, o importante era ouvi-la cantar “Dois” e poder cochichar no ouvido da pessoa amada os versos que narram o encontro de um casal.

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Os cults, os “descolados” e os hipsters todos cantavam as letras compridas e autobiográficas de Tiê como se aquelas histórias fossem suas também, mas em olhar menos romântico notei que muito dos que estavam ali não faziam a menor ideia de quem era a cantora e não faziam questão de conhecer, estavam dispersos e alheios. A ideia era que a moça viesse com força total, com sua banda completa, mas algo me diz que a verba da CIENTEC este ano não foi muito generosa no quesito programação cultural.

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Num clima low-fi, folk e com violões, Tiê cantou “Piscar o Olho”, música esta que esteve presente na trilha da novela das sete “Cheias de Charme” e como toda boa trilha de novela, foi uma das músicas mais cantadas. As baladas doces e com um quê de inocência de início de namoro ou com sabor de primeiro amor presentes da set list foram: “Passarinho”; “Na Varanda da Liz” (feita para sua filha mais velha); “Só Sei Dançar com Você” (regravação da canção de sua amiga Tulipa Ruiz); “Te Valorizo”; “Perto e Distante”; “Se Enamora” e “Pra Alegrar o Meu Dia”. A regravação “flamenca” de “Você Não Vale Nada” do músico potiguar Dorgival Dantas foi uma das mais divertidas e animadas da noite, Tiê estimulava a plateia a pôr pra fora a confissão de que em algum momento da vida nós gostamos de alguém que não valia nada.

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Ao fim do show a plateia dividia-se em pedir bis ou não e entre alguns aplausos e outros reticentes, a cantora voltou ao palco e soltou: “a gente voltou, embora vocês não tenham pedido direito”. Interagindo com o público, Tiê foi até a beirada do palco pedindo sugestões mais “rock and roll”, uma vez que seu guitarrista era um cara “rocker”. Dentre as sugestões que foram desde Lobão a Legião Urbana, a pedida foi uma versão pra lá de inusitada de “Seven Nation Army”, da banda norte-americana The White Stripes. A animação do lado roqueiro do show foi quebrada com a última música da noite, “Chá Verde”, canção favorita de Tiê. Antes de tocá-la, ela soltou, em tom de brincadeira: “Rock mesmo é Chá Verde!”. O saldo final: fãs satisfeitos, àqueles que desconheciam tiveram oportunidade de conhecê-ka. Já eu, bem, embora tenha achado que uma formação de banda completa fosse mais adequada à ocasião, acabei me rendendo à simpatia da moça.

Fotos: Andressa Vieira

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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8 anos atrás

[…] sexta-feira (31) o Festival Dosol Warmup trouxe a paulista Tiê. Pela segunda vez na cidade, a primeira foi na abertura da CIENTEC há dois anos, a cantora trouxe sua banda completa: Renato Galozzi (guitarra), Naná Rizzini (bateria), André […]

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