Turbo: animação esquece 3D e exagera nas lições de moral e auto-ajuda

A Dreamworks vem se consolidando a cada produção como estúdio de animação, fazendo frente a hegemonia da Disney/Pixar. “Turbo”, dirigido pelo animador iniciante David Soren e distribuido pela 20th Century Fox, é a mais recente produção do estúdio, tendo chegado aos cinemas brasileiros na semana passada, dia 19. Em Natal, no Cinemark, a animação chegou apenas em 3D, o que forçou o público a pagar a mais por um serviço praticamente inexistente na produção, convém dizer.

“Turbo” conta a história de um caracol de jardim chamado Theo (Ryan Reynolds), ou melhor, Turbo mesmo, como prefere ser alcunhado. Theo passa as noites na garagem, depois de uma árdua rotina de trabalho no jardim, admirando o seu ídolo das corridas de carro e sonhando com o que dia em que será tão rápido quanto ele. Frequentemente, também experimenta quebrar recordes de tempo em distâncias que, na perspectiva de um caracol, são bem relevantes. Em suma, o nosso protagonista é um animal que se recusa a acomodar-se em sua condição e sonha alto, sempre com a esperança de que alcançará seu objetivo.

O caracol Turbo

Certo dia, em virtude de um acidente no jardim, Theo acaba indo parar no meio de uma corrida de automóveis e, após entrar em contato com um substância química, seu corpo muda e se torna mais veloz, passando a ter as características de um carro (como faróis e um motor potente), embora ainda continue com o formato de caracol. A partir daí, Theo passa a enfrentar a responsabilidade, os desafios e as consequências de ter seu sonho realizado.

A Dreamworks é um estúdio tecnicamente competente, não há muito o que se falar da animação em si. Na verdade, a cada dia fico mais encantada com o que a computação gráfica é capaz de fazer e por isso raramente perco uma animação em cartaz nos cinemas. Contudo, confesso que foi bastante chato só ter a opção de filme em 3D, o que nos faz achar que a tecnologia é quase indispensável ao filme, e no fim das contas, não notar mais que um borrão incômodo na tela como diferença, quando ousamos tirar os óculos especiais. O estúdio não aproveitou o suficiente a tecnologia e, na verdade, acabou por desprezá-la quase completamente.

Turbo e seus colegas caracóis de corrida

Registrada a minha indignação, volto para o roteiro. David Soren, diretor e também roteirista do filme, já fez participações menores em outros filmes importantes (Madagascar, Como Treinar seu Dragão…), em áreas que não exigiam tanta responsabilidade. Turbo é o primeiro filme que leva a sua assinatura de fato e, talvez, a fim de garantir-se, ele preferiu não arriscar muito e manter-se nos padrões confortáveis dos clichês e receitas prontas. O caracol Turbo é simpático e um legítimo personagem de animação, com um objetivo, um sonho, que, após alcançado, lhe permitirá ser o herói da história. Turbo não hesita, não pisca, nem mesmo diante das dificuldades. É estimulado por seus amigos, e a chama da esperança é sempre maior que qualquer empecilho. Bonito, palmas. Mas essa “ideologia” é tão insistentemente repetida, que chega a ser maçante.

“Turbo” é um filme agradável, mas ao contrário de outras animações sobre as quais falo por aqui, se torna mais divertido e empolgante para um público infantil. Abdica de uma maior originalidade criativa, como um roteiro menos previsível (e por que não mais engraçado?), em prol da repetição sistemática de lições de superação, fortaleza e esperança, que são, obviamente, necessárias na vida das crianças (e, de fato, na de alguns adultos também).

Dessa forma, para você que é pai ou mãe de crianças, leve-os ao cinema para conhecer o irreprimível caracol Turbo, e para que entrem em contato com aqueles velhos valores que se pregam em casa, mas de uma forma mais divertida. Agora, se você é maior de quinze anos, recomendo a leitura de um dos livros de Augusto Cury, Roberto Shinyashiki ou da linha de auto-ajuda de Lya Luft. O recado é o mesmo e a linguagem é mais coerente.

FICHA TÉCNICA

Gênero: Animação

Direção: David Soren

Roteiro: Darren Lemke, David Soren, Robert D. Siegel

Elenco: Ben Schwartz, Bill Hader, Ken Jeong, Kurtwood Smith, Luis Guzmán, Maya Rudolph, Michael Peña,Michelle Rodriguez, Paul Giamatti, Richard Jenkins, Ryan Reynolds, Samuel L. Jackson, Snoop Dogg, Spencer Pratt

Produção: Lisa Stewart

Fotografia: Chris Stover

Compartilhe

Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

Postagens Relacionadas

f4819caa3eebf26f8534e1f4d7e196bc-scaled
"Imperdoável" tem atuações marcantes e impacta com plot twist
Se um dia Sandra Bullock já ganhou o Framboesa de Ouro, após “Imperdoável” (Netflix, 2021),...
1_4XtOpvPpxcMjIoKGkUsOIA
Cobra Kai: nostalgia ao cinema dos anos 80
A saga Karatê Kid se tornou um marco memorável aos cinemas durante os anos 80. A série de filmes conta...

Deixe uma resposta

0 0 votes
Classificação do artigo
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x