10.000 Km – Um criativo filme sobre o amor e a distância

Qual a fronteira do amor? É possível manter um relacionamento à distância? Por mais batidas que essas perguntas possam parecer, o diretor e roteirista espanhol Carlos Marques-Marcet conseguiu dar uma nova roupagem a estes questionamentos em seu filme de estreia, “10.000 Km” (2014). Ambientado em um apartamento em Barcelona e munido de bastante criatividade e mídias sociais, o filme narra a história de Alex (Natalia Tena) e Sergi (David Verdaguer), um casal que já está junto há sete anos. Estáveis e apaixonados, decidem ter um filho juntos, até que uma proposta de trabalho irrecusável surge e a trama se desenrola.

Meu contato com o filme foi totalmente casual, estava zapeando as sugestões do Netflix e deparei-me com o título no catálogo. Curiosa, li a sinopse e despretensiosamente apertei o play. Decidi que durante 1h42min aquele longa seria minha companhia noturna num domingo chuvoso. Confesso que não me animei muito, mas logo o filme mostrou que não era nem piegas, nem muito menos lugar comum, mas sim um trabalho de estreia bastante criativo e perspicaz.

O plano sequência de abertura do filme de 23 minutos desnuda a intimidade do casal. Os dois personagens são apresentados em todas as suas nuances e a problemática também já é posta em xeque. Usando de enquadramentos que separam os personagens por cômodo e de de suaves efeitos de câmera, o diretor Carlos Marques-Marcet nos ambienta na vida dos dois e únicos personagens centrais da história.

O enredo do filme se desenvolve quando Alex e Sergi estão separados geograficamente, ela em Los Angeles e ele em Barcelona. Unidos pela tecnologia, os dois passam a se comunicar por meio de chamadas no Skype. A webcam dos computadores se torna o elo e o fio condutor da história, grande parte das imagens do filme são feitas com estas câmeras, uma solução criativa e também ousada do diretor, sacrificando ou (intensificando) a direção de fotografia do filme em nome do realismo.

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A contagem dos dias em que os dois estão separados cadencia a história. Após o plano sequência de abertura, somos levados ao segundo dia que Alex está nos EUA e na sequência pula para o 5º dia. A cada dia o casal vai trocando novas informações sobre a estadia da fotógrafa na Califórnia. Eles conversam sobre assuntos do dia a dia e matam as saudades, se é que podemos chamar de tato o que a webcam permite. O desgaste da relação é natural e à medida que os dias vão passando cada um vai se distanciando.

Após os primeiros meses, os conflitos surgem, motivados por desconfiança, carência e falta da presença atômica. Neste momento o filme poderia enveredar para um lugar comum com tons piegas que a gente já viu, mas não! O longa usa de artifícios da tecnologia para fugir da mesmice.

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Sergi (David Verdaguer) em Barcelona tem mais dificuldade pra conviver com a distância

O uso do Google Street View é uma sacada genial! Para que Alex possa apresentar os lugares que visita e de alguma forma possa compartilhar das suas experiências com seu namorado ela usa a ferramenta. O artifício das fotografias também é usado para ilustrar Los Angeles, bem como os meios de comunicação que ligam o casal (vide o projeto artístico fotográfico de Alex). Soluções criativas não só para o orçamento da produção (enxuto) como também inovam na narrativa e dão movimento e ritmo à montagem do filme.

O trabalho dos atores é excelente, Natalia Tena me conquistou! A atriz, que é conhecida por interpretar Ninfadora Tonks na saga Harry Potter, é também vocalista da banda britânica Molotov Jukebox (vale dar uma sacada no som), interpreta atualmente (ou não, não sei se já morreu) Osha na série Game Of Thrones (se mesmo com todas essas referências você ainda não conhecê-la, não tem problema). A atriz é inglesa, fala um fluente espanhol e transparece naturalidade ao interpretar Alex.

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O ator espanhol David Verdaguer, não está menos excelente, conhecido na Espanha em produções de TV, estreou nas telonas em “10.000 Km”. Os atores tiveram de dialogar diante de um computador, sozinhos um em cada lado do set. Tanto David quando Natalie conseguiram manter uma química mesmo via webcam, coisa que eu sequer achava que seria possível.

O elenco foi premiado, Natalia levou os prêmios de melhor atriz no Málaga Spanish Film, National Board of Review e, assim como David, os prêmios no SXSW Film  Festival, Gaudí Awards. O longa recebeu dezessete prêmios em festivais espalhados pelo mundo, dentre eles de roteiro e direção.

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O diretor Carlos Marques-Marcet no set com elenco do filme

Tenho que destinar um parágrafo inteiro à coragem e criatividade do diretor novato Carlos Marques-Marcet, são trabalhos interessantes e inovadores como estes que motivam e dão ânimo a outros jovens realizadores. Partindo da premissa aparentemente simples, ele conseguiu construir uma narrativa original e dinâmica contando apenas com dois atores e duas locações. Baseado no  curta metragem “5.456 Miles Away” (2010), de Marques-Marcet, “10.000 Km” foi um trabalho escrito de forma colaborativa, além do diretor e da roteirista Clara Roquet, os atores também participaram do processo de criação.

Propondo-se a fugir dos estereótipos de romance, “10.000 Km” conta uma história de amor sob uma ótima moderna e interessante, dá fôlego ao cinema contemporâneo e lança novos talentos para ficar de olho. Sem desculpas, conecta lá na sua conta no Netflix, assiste e depois me diz o que você achou.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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