Com o Oscar se aproximando, já começou a temporada de apostas, palpites, discussões, brigas (sim, brigas) e especulações acerca dos prováveis ganhadores. Esse ano, diferentemente do ano passado, botei na cabeça de ver todos os concorrentes antes da cerimônia, pelo menos os candidatos ao prêmio de Melhor Filme, o Oscar do Oscar. Comecei justamente por um que há tempos queria assistir, 12 Years a Slave, o épico drama de Steve McQueen, que tem reais chances de levar a estatueta mais cobiçada da noite.
O filme traz para as telas um assunto já bastante explorado: a escravidão (obviamente, pelo título, que em português tem sido traduzio como “12 anos de escravidão”). A trama é adaptada de uma história real, a autobiografia de Solomon Northup, um homem negro livre que é sequestrado por bandidos e vendido como escravo para fazendeiros estadunidenses. O personagem é interpretado por Chiwetel Ejiofor, que também fez Amistad, filme com mesma temática lançado em 1997.
Northup é um homem inteligente e ganha a vida como violinista em uma cidade do Estado de Nova York, onde mora com sua esposa e filhos. Uma dupla de artistas aparece oferecendo uma boa oportunidade de emprego em um circo e, tentado pelo dinheiro, Solomon aceita e parte com os homens para Washington. Após uma noite de bebedeira ele é capturado por impiedosos mercadores de escravos.
Agoniado, o protagonista tenta a todo custo explicar que é um homem livre, que tudo é um terrível engano, que tem família à sua espera. É em vão. Após severos castigos ele é despachado em um navio para o interior do país. Começa então o calvário de Solomon Northup, que vai passando de lugar em lugar até chegar às terras de Edwin Epps (Michael Fassbender), um violento escravocrata com ataques de psicopatia.
Durante toda a narrativa somos levados a presenciar uma infinidade de ultrajes ao ser humano, sejam castigos físicos, insultos à raça ou humilhação e redução da dignidade. O branco é o carrasco, impiedoso, mordaz. Por vezes, você se pega sofrendo por cada chibatada aplicada nas costas das vítimas-mercadorias. A dor dos negros é embalada por tristes blues cantados por eles nos campos de algodão onde trabalham ou em seus alojamentos. É emocionante.
Interessante é que a relação entre brancos e negros é explorada mais a fundo. Há o ‘mestre’ que é piedoso e enxerga os escravos com humanidade, é o caso do personagem de Benedict Cumberbatch; também a doentia relação entre o personagem de Fassbender e a escrava Patsey (brilhantemente interpretada por Lupita N’yongo), que sofre mais do que qualquer um nas mãos de um ciumento dono, que não consegue esconder o medo de perder sua posse; e a ira da esposa de Epps, personagem de Sarah Paulson.
O protagonista, Solomon, é mais que simbólico para a história, é a resiliência em pessoa, representa a vontade e a força de sair de uma condição tão miserável. Mesmo em momentos de total dor ele mantém a esperança de voltar à liberdade e tenta a todo custo. Northup também é transgressor, é mostrado como um personagem que, por vezes, desobedece seus donos, que é mais inteligente, e muito mais sensível que seus superiores. Agora imaginem, são 12 anos de um caminho feito ao contrário, de privação do seu ir e vir.
12 years a slave é muito bem conduzido por McQueen, não é a toa que esse homem vem chamando a atenção nos últimos anos, com seus excelentes filmes, Hunger (2008) e Shame (2011). O roteiro de John Ridley é de uma sensibilidade imensa, não força nem tende à clichês, tem respiro, e o o mais importante, inquieta.
Verdade seja dita, o diretor conta com um elenco maravilhoso, tanto Chiwetel, quanto Fassbender e Lupita estão seguros, passando verdade, emocionando. Cada indicação e prêmios já conquistados foram mais que justos. Destacaria, acima de todas, a presença de Lupita N’yongo (fica aqui a torcida).
Ainda cabe menção à técnica do filme: seja a belíssima fotografia de John Bobbitt, a impecável direção de arte ou o som (ainda posso ouvir as barulhentas cigarras de New Orleans).
E para fechar com chave de ouro, a magnífica trilha sonora, repleta de blues melancólicos, passagens de violino e belas vozes, com a participação de Hans Zimmer em algumas faixas. Destaque para “Roll Jordan Roll”, com a participação de Chiwetel e seu vozeirão grave.
12 years a slave é uma obra de arte, daqueles filmes que te deixam com um nó na garganta e os olhos marejados do começo ao fim. Não é apenas o sofrimento de um homem e seus companheiros, é mais que isso, é sobre liberdade e perseverança. Digno de tudo que virá a ganhar em um futuro próximo.
PS: Não deixem de ouvir a trilha! Para facilitar o trabalho, é só apertar o play logo abaixo:
Jornalista, headbanger baterista e metido a roteirista. A rima só não é pior que o gosto por mindblowing movies.
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