3º MPB Jazz: um ilustre encontro entre o melhor da música tupiniquim e ianque

Nos dias 30 e 31 de janeiro Natal respirou versatilidade e competência musical, com a terceira edição do MPB Jazz. O festival tem como finalidade criar o diálogo entre a música popular brasileira e o tradicional ritmo norte-americano, o jazz, e teve como sede o Teatro Ricahuelo. A curadoria foi extremamente feliz na escolha dos artistas, tanto locais, quanto os made in New Orleans. O intercâmbio EUA – Brasil não é novidade para Natal, aliás, a cidade tem uma extensa história com os norte-americanos, desde os tempos da Segunda Guerra Mundial. Reavivar as semelhanças e apresentar as nuances de uma cidade com a outra certamente foi produtivo para as duas culturas e uma excelente oportunidade para os natalenses se alimentarem da boa música yankee.

Na quinta-feira, 30, o público teve de driblar a confusão do trânsito, devido a um jogo de futebol no novo estádio e buscar rotas alternativas, uma vez que várias das avenidas e ruas da cidade estão interditadas, sorte minha que no sentido centro – zona sul o trânsito fluiu e cheguei a tempo. Aqueles que chegaram ao Teatro Riachuelo em torno das 19h30, foram recepcionados pela Bossa & Jazz Street Band uma espécie de fanfarra, capitaneada pelo maestro português Eugênio Garça, e composta por músicos locais que tocavam no foyer. Seguindo-os, adentrei nas dependências do teatro.

Prontamente acomodada em meu assento, olho para cima e vejo Aurora Nealand e Leon “Kid Chocolate” Brown tocando alguma música que aguçou a curiosidade dos presente para o show dos mesmos. Em seguida, as cortinas se abrem e o show de Simona Talma começa; o teatro não estava preenchido. Contudo, uma iniciativa interessante válida de se destacar dos organizadores do evento foi a parceria realizada com o Hospital Psiquiátrico Severino Lopes, que possibilitou a ida de, em média, trinta e cinco pacientes ao festival. Os visitantes ocupavam as primeiras fileiras na plateia mais próxima ao palco.

1ª noite de shows (Quinta-feira, 30 de janeiro)

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Simona Talma abriu o primeiro dia de apresentações do Festival | Fotos: Regina Azevedo e Leila de Melo

Simona Talma tocou em seu repertório músicas dos seus dois álbuns, “A Moça Mais Vagal que Há” (2007) e “Bang” (2012). A participação na segunda edição do programa global, The Voice Brasil, não rendeu à cantora tanta visibilidade e carisma como à Khrystal, aliás, há que se ressaltar que, embora amigas, as duas cantoras soam musicalmente de forma diferente. Simona subiu ao palco com um dos seus indefectíveis vestidinhos estilosos e um ar um tanto blasé, e sem muita conversa, já mandou a música “Assaltante”.

Dentro do repertório estava “Dito Blues”, uma das minhas músicas favoritas e uma das melhores músicas de seu debut. Simona tem uma postura singular no palco, porém longe de se passar despercebida. A banda que acompanhou a cantora era liderada por Toni Gregório (também guitarrista da banda Rosa de Pedra) e trazia Ramon Bezerra no baixo, Daniel Garça na bateria, Fábio Rocha no piano e Michel Martins na gaita. Das dez faixas tocadas, apenas um não foi autoral, “Tango de Nancy”, composição de Chico Buarque, cantada por Simona no The Voice Brasil. Fato curioso: a participação de um paciente do Severino Lopes, apelidado de Xuxa, que prontamente subiu ao palco quando do convite de Simona por um voluntário para a canção.

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Bossa & Jazz Street Band animando os intervalos dos shows

O público já ocupava boa parte dos lugares do Teatro ao final do primeiro show. No intervalo, a Bossa & Jazz Street Band voltou a tocar no saguão e dentro do teatro, trazendo o clima do jazz tocado nas ruas de Nova Orleans. Após os quinze minutos para comprar bebida, ir ao banheiro, atender uma ligação ou mesmo papear com um conhecido, a apresentação do Tributo a Ella Fitzgerald e Louis Armstrong tinha início. A 504 Experience ocupava seus lugares no palco e o simpático contrabaixista, Mitchel Player, agradecia a oportunidade e explicava o nome da banda em seu inglês carregado de sotaque sulista, “504 é o DDD quando alguém liga para um número de Nova Orleans”. Muito atencioso explicou que os músicos só puderam chegar a cidade horas antes do show, devido ao mal tempo que fazia em Nova Orleans, o que acarretou o cancelamento dos voos do aeroporto, impossibilitando a vinda dos músicos no dia anterior.

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Eileina Dennis e Leon ‘Kid Chocolate’ Brown em show de encerramento do 1º dia de MPB Jazz

A 504 Experience é composta por Gerald French na bateria, Meghan Swartz no piano, Seva Venet na guitarra e Leon “Kid Chocolate” Brown no trompete. O tributo a dois dos maiores ícones do gênero musical foi uma das formas mais interessantes de se começar um evento sobre o jazz, afinal, ninguém mais emblemático que Louis Armstrong para situar o jazz genuíno de Nova Orleans que ele e a diva maior do jazz norte-americano, Ella Fitzgerald, para enfatizar a amplitude, expansão e reconhecimento do gênero musical mundo afora. Eileina Dennis, uma cantora de excelente extensão vocal e presença de palco, cantou “Cheek To Cheek” (famosa na voz de Frank Sinatra) com Leon Brown, e deu início ao segundo show da noite. Eileina saiu do palco, para que Leon conduzisse a parte de Louis Armstrong do Tributo.

O trompetista não tem a voz singular de Armstrong, é bem verdade, e por vezes parecia tímido, mas quando era exigido dele virtuosismo no instrumento de sopro, era nítido o motivo da escolha do músico para homenagear um dos ícones do trompete. Eileina é uma daquelas cantoras que tem um charme vocal e um carisma no palco que eu diria ser um dom das cantora de jazz. Simpática, arriscou um “muito obrigada”, “boa noite”, um “olá, meninas” e embora com um potencial para barrar todo e qualquer calouro  de programa vocal, Eileina não fez malabarismos vocais pra mostrar que sabe cantar, ela faz a linha sensata, daquelas cantoras que dá à música o que é necessário, sem excessos ou floreios. Adoro cantoras assim! Dentre as músicas do setlist de Ella estavam: “Blue Skies” (uma das minhas favoritas), “Moon Light in Vermont” e “Them There Eyes”.

2ª noite de shows (Sexta-feira, 31 de janeiro)

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Os irmãos Eduardo (piano) e Roberto (violão) abriram o 2º dia do Festival MPB Jazz

Fui de alma lavada para a segunda noite do MPB Jazz, tinha feito o dever de casa, estava por dentro do trabalho de todos os músicos que iriam se apresentar naquela segundo dia de apresentações. Às 20h20min os irmãos Eduardo e Roberto Taufic começaram seu show, o público que ainda estava meio disperso e conectado aos seus aparelhos eletrônicos foi prontamente se desligando do mundo virtual e se entregando à delicadeza e sensibilidade da música do Duo Taufic.

Eduardo ao piano e Roberto ao violão tocavam de maneira tão natural e sintonizada que mais parecia uma brincadeira entre irmãos. O diálogo entre os instrumentos rendia um som harmonioso e cativante. Eu mal me mexia no assento achando que ao menor dos meus movimentos poderia estragar a fina sintonia entre os irmãos. O brilho nos olhos que vi durante a entrevista com os músicos, pude rever no palco: eram sorrisos, olhares trocados e uma extrema felicidade. No repertório, estavam músicas autorais, como: “Choramingando”,”Bicho Solto”, “Real Picture”, “Bate Rebate” e “Nosso Chão”, todas do álbum de estreia do Duo, intitulado “Bate Rebate” (2011). Roberto e Eduardo faziam pequenos comentários sobre as músicas, mas discretos logo tornavam para os seus instrumentos. Os aplausos e o entusiasmo da plateia não deixava dúvida que o som emitido pelos instrumentos chegava ao coração e emocionava a todos. “Bravo, Duo Taufic!”, pensei em dizer, mas me limitei a apressar-me em aplaudir de pé ao final do show.

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A saxofonista Aurora Nealand fez um dos melhores shows da 3ª edição do MPB Jazz

Um pequeno intervalo para que os retardatários pudesse se acomodar em seus lugares e a repórter que vos fala descesse do camarote para captar algumas fotos e trocar uma ideia com os amigos e conhecidos que compareceram em peso para prestigiar o segundo dia de Festival. Mal o alarme tinha soado e a 504 Experience e Aurora Nealand já estavam no palco tocando “Shake it and Break it”, composição de um dos expoentes da música norte-americana, Charley Patton. Conheci a cantora, saxofonista e clarinetista Aurora Nealand por meio da série da HBO “Treme” e depois acabei indo atrás dos seus trabalhos com a banda The Royal Roses e gostei bastante de uma outra faceta sua, a de vocalista de banda de rockabilly, na Rory Danger and The Danger Dangers. Aurora firmou residência em Nova Orleans ao regressar do Jacques Lecoq School of Physical Theatre, em 2004. A instrumentista foi considerada pela revista especializada em jazz, Downbeat, como uma das dez melhores do sax soprano.

O repertório da saxofonista estava recheado de clássicos do jazz. A primeira música que Aurora mostrou sua voz foi “Darkness on the Delta” (famosa na voz da cantora Mildred Bailey). Nealand mostrou ser boa cantando em francês também, ao interpretar “Ne Me Quitte Pas”, gravada originalmente por Jacques Brel, e regravada por Deus e o mundo! Aurora tocou ainda duas músicas de um dos ícones do sax soprano, o controverso Sidney Bechet, “Shag” e “Si Tu Vois Ma Mère”, música de abertura do filme “Meia Noite em Paris” (2011).

Acostumada com o frenesi e a empolgação do público de New Orleans, Aurora simpaticamente convidou o público do teatro a se levantar e dançar, mas em terras tupiniquins poucos sabiam “bailar” jazz tais quais o público de lá, logo alguns poucos mais animados o fizeram de modo desengonçado e um tanto tímido. Com gostinho de quero mais, Aurora Nealand deixou o palco do Teatro Riachuelo aplaudida de pé. O público pediu por bis e, sem medo, eu diria que foi o show de que mais gostei desta edição do MPB Jazz, fico na torcida para que, assim como aconteceu com Germaine Bazzle este ano, role um “repeteco” de Aurora na edição do ano que vem.

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Pela segunda vez em Natal, Germaine Bazzle cativou novamente o público com sua energia no palco

Segundo intervalo da noite, o público empolgado e satisfeito com a grata surpresa que foi o show da saxofonista, não perdeu tempo e foi até o foyer do Teatro Riachuelo, onde tinha uma banquinha vendendo os CD’s de todos os artistas que se apresentaram, para garantir um exemplar do disco da cantora norte-americana. Alguns desavisados acabaram indo embora, achando que o Festival tinha chegado ao fim, uma pena pros que se foram, pois perderam o “showçazo” de Germaine Bazzle.

Germaine subiu ao palco com a energia de uma jovem, capturando a atenção de todos, acompanhada da multifacetada 504 Experience, dessa vez em uma versão de trio: piano, baixo e bateria. Na maturidade de seus oitenta e dois anos de idade, a jazzista esbanjava uma presença de palco, carisma e vitalidade invejáveis. Pela segunda vez a Natal, Bazzle cantou um repertório de clássicos, como “A Beautiful Friendship”, música cativa no repertório de Ella Fitzegerald; “It’s Magic”, famosa na voz de Doris Day; “Sophisticated Lady” de Duke Ellington e “Time After Time”, mais conhecida na voz de Frank Sinatra.

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Ao final do show, Germaine reuniu todos os músicos de Nova Orleans no palco

Scats. Improvisos. Palmas. Dancinhas. Germaine Bazzle é inquieta no palco, para finalizar o show, convidou todos os músicos gringos que cá vieram tocar, voltaram ao palco: Aurora Nealand, Eileina Dennis, Leon ‘Kid Chocolate’ Brown e o guitarrista da 504 Experience, Seva Venet, para tocar “Don’t mean a thing if it ain’t got that swing”, outra música do repertório de Ella Fitzgerald. Bazzle convidou cada música a fazer uma improvisação e ter seu momento de solo, o público já de pé, acompanhou a música com palmas. Leon e Aurora mandaram ver nos instrumentos de sopro, os músicos da 504 Experience mostraram que não vieram aqui a passeio e que em Nova Orleans música é coisa séria; Eileina acompanhou Germaine nos scats e de maneira apoteótica a terceira edição do MPB Jazz encerrou.

Inebriada com a musicalidade, resolvi tentar a sorte na banquinha do teatro, mas todos os discos de Aurora Nealand tinham sido vendidos, o que não foi nenhum problema pra mim, prontamente comprei dois: “Bate Rebate” do Duo Taufic (com direito a autógrafo e tudo) e um disco da 504 Experience, com o repertório do show da Germaine Bazzle. Já me encaminhando para saída, no estacionamento do shopping, me deparo com um aglomerado de pessoas próxima ao fundos do Teatro Riachuelo, sim era o público natalense tietando com os musicistas. Eu, assim como os demais, prontamente fui tietar também, posei pra foto ao lado de Aurora Nealand e troquei uma ligeira ideia com a cantora, sinal de que a grana investida no curso de inglês não foi em vão. Por fim voltei para casa alimentada de cultura e já na espera pela próxima edição do MPB Jazz.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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Telma Melo
10 anos atrás

Parabéns à autora do texto, Leila, e a iniciativa dos profissionais do Hospital Severino Lopes. Seria ótimo que outras instituições seguissem esse belo exemplo.

Play Up Music
Play Up Music
9 anos atrás

Divulgação – CD – “Guitar Vox” – Carlos Quefrem
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