Philip K. Dick e o psicótico “Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial”

“A  verdade, ele costumava refletir, era superestimada enquanto virtude. Na maioria dos casos, uma mentira complacente fazia mais bem e era mais piedosa.” (p. 50)

Nunca li nada do Philip Kindred Dick, também conhecido como PKD (achei carinhoso). O estadunidense foi um escritor de ficção científica que viveu de 1928 até 1982. Ficção científica: onde fui me meter? Mas eu queria ler aquele livro, queria ler algo do autor cujas obras inspiraram filmes como Blade Runner, O Vingador do Futuro e Minority Report. Apesar de, confesso, nunca ter assistido Blade Runner, O Vingador do Futuro ou Minority Report. Onde fui me meter?

Foi um pouco por culpa da capa. Lindíssima. Simples, psicodélica, moderna, um tanto quanto confusa e com um adesivo para o título. Um adesivo para o título, já viram isso? Eu nunca tinha visto, achei demais. E ainda vem com mais dois em formatos diferentes, caso você queira mudar o visual da capa. Palmas lentas para a Editora Aleph e essa linda edição, cujo projeto de capa é do Pedro Inoue.

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Foi um pouco por culpa de Tatiana Feltrin, que fez um vídeo sobre o livro. Vocês conhecem? É uma professora de inglês precursora dos vlogs literários aqui no Brasil. Eu curto.

Foi um pouco por culpa do título: Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial. A junção de alguém tão sério, como imaginamos ser um policial, com a entrega e a leveza das lágrimas. Poético.

Foi um bocado por culpa da sinopse, que nos introduz Jason Taverner: um apresentador famoso de TV – seu programa semanal tem 30 milhoões de espectadores! – que, de uma hora pra outra, passa a ser um “ilustre desconhecido” (adorei isso) no mundo. Ninguém mais sabe quem é a celebridade e não há registro legal algum na cidade que comprove sua existência.

(e nesse momento não teve como não imaginar alguém como Rachel Sheherazade ou Faustão ou um Silvio Santos que seja acordando como meros desconhecidos!)

Com todos esses pontos fortíssimos a favor, vamos à leitura. Ai-meu-Deus. Campos de trabalhos forçados, fotos 3D, leitura de mentes, brinquedos falantes, microtransmissores, permissão de fumar apenas um maço de cigarro por semana, quibbles (veículos voadores), ogivas heretostáticas/bomba-semente (?), reconstrução de DNA, kibutz estudantis para os universitários tidos como rebeldes, placas somáticas de identificação, grade de telefones para tele-sexo que afetam o funcionamento do cérebro de quem faz uso com frequência e muitas, mas muitas, drogas… É nesse mundo idealizado pelo PKD que Jason vive e surge como um desconhecido, após ser invadido por uma gelatinosa esponja-do-abraço de Calisto e seus 50 tubos de alimentação. Mais especificamente, num quartinho sujo de hotel. Surreal.

Mas, afinal, qual é a realidade? A vida de fama? A vida de despessoa na qual ele despertou? Ou será tudo efeito da droga? Eu me pegava com essas perguntas durante toda a leitura, sem conseguir bem separar o real do não-real naquele mundo fruto da esquizofrenia, consumo de drogas e psicotrópicos e alucinações do Philip Dick. E essa dúvida martela até o finalzinho, nos fazendo engolir as páginas cada vez mais rápido para desvendar essa loucura.

Definitivamente, algo totalmente diferente do que estava acostumada a ler. O mais próximo que cheguei é a literatura fantástica sudamericana, vejam só! A leitura do Fluam, Minhas Lágrimas… se saiu uma excelente forma de abrir mais minha mente, de encontrar poesia no mundo aparentemente frio e codificado da ficção científica que, em última análise, é tão nosso e tão real.

“Jason, o sofrimento é a consciência de que você vai ter de ficar sozinho, e não existe nada mais além disso, porque estar sozinho é o destino máximo e final de toda criatura viva. A morte é isso, a grande solidão.” (p. 128)

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Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial.
Philip K. Dick; tradução Ludmila Hashimoto.
São Paulo: Aleph: 2013.
Título original: Flow my tears, the policeman said.

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Raquel Assunção
Tentando transver o mundo, como Manoel de Barros bem disse ser preciso.
Raquel Assunção

Raquel Assunção

Tentando transver o mundo, como Manoel de Barros bem disse ser preciso.

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