Começou na noite desta quinta-feira, 06, o Festival Literário de Natal. Nascendo das necessidades mais urgentes para a cultura da cidade e para os espaços para livros e autores, a 2° edição do evento contou com a presença de grandes artistas, seja em debates ou em apresentações musicais, falando sobre o poder e a dimensão que a poesia toma nos rumos da sociedades, como uma das mais belas formas de expressão. Poesia não se explica e nem se classifica, muito menos se formula. Nasce da inquietação e do desconforto do mundo, mas também brota da admiração e de toda e qualquer beleza observada. E para debater e problematizar sobre a poesia e as diferentes questões da literatura moderna e contemporânea – seja a escrita ou materializada nas artes, como na arquitetura –, convidados como Arnaldo Antunes, Guilherme Wisnik e Adriana Calcanhotto estrelaram uma noite verdadeiramente única em seu conteúdo destacado.
Quando pego a programação em mãos do FLIN e me deparo com a primeira mesa redonda da noite, uma surpresa logo me toma. Intitulada “Oscar Niemeyer: arquitetura e literatura, duas artes em diálogo”, eu a princípio não conseguia colocar numa mesma plataforma a literatura e suas conjunções de significados subjetivos com a linearidade e precisão da arquitetura. O que faltava e que pouco tempo depois consegui enxergar de fato é um fator importante que eu não estava levando em consideração. Oscar Niemeyer, era seu nome.
Oscar era o fator dessa equação, que quando chegou, somou 2 +2. Como Guilherme Wisnik – arquiteto e pesquisador da obra de Niemeyer – explicitou tão bem, mediado por José Gaudêncio, Niemeyer é transcendente e um eterno explorar, se utilizando da sua própria arte, a arquitetura, como forma de linguagem, exibindo uma constelação de conjunções de significados subjetivos através dela, assim como a literatura. Deixando de lado toda a linearidade e precisão das formas retas da arquitetura até então aprendida e propagada nas universidades, Niemeyer exerce e apresenta suas próprias formas, se comunicando com o seu público de uma forma tão intensa e de estranhamento, que chega a ser tão desgastante fisicamente quanto um livro de poesia de Vinícius de Moraes, que a cada verso você se esforça e se esforça para compreender todas as paralelas, transversais e diagonais existentes em seu processo de criação.
Logo em seguida, a mesa mais esperada da noite chegou com o peso artístico e intelectual que se esperava. Composta por Arnaldo Antunes, Antônio Cícero e Francisco Bosco, o tema a ser debatido seria “Poesia: do moderno ao pós-tudo”. Já começou bem, num é verdade! Desde o título já pousamos numa problemática temporal, entre o moderno e seus arranjos sociais ao que vem à frente, o pós-tudo, num futuro ainda indeciso, mas cheio de esperança. Para o quê? Para a arte? Era o que os três senhores tentariam, não responder, mas apresentar seus pontos de vista.
Tenho que dar todo o meu destaque para o poeta Francisco Bosco, que com maestria, conseguiu aludir pontos de densidade cultural, econômica e social através da força da poesia que eu nunca vi. Como o fato de escrever pode criar uma geração não só de escritores, como de músicos, jornalistas, advogados, etc., a partir desta forma de se expressar, tão íntima e ao mesmo tempo pública, pois está em todo lugar. Antunes e Cícero mantiveram linhas diferentes, entre o papel mais crítico da poesia moderna e a não imediação da ideia, respectivamente. A poesia moderna, diferentes da contemporânea, ainda se amarrava a métrica estabelecida desde a academia. Mas no momento que se percebe acorrentada a normas, a poesia, mais precisamente seus poetas do século XIX, recriam seu formato e seu conteúdo, explicitando de maneira mais firme suas indignações com as ordens estabelecidas socialmente, tentando juntar as classes que eram divididas, estabelecendo pontes entre as fronteiras das pessoas.
Por fim, quem eu particularmente mais esperava, finalmente subiu naquele palco, sentou, agradeceu a presença de todos e com seu violão me (en)cantou. Adriana Calcanhotto era a principal atração da noite, onde apresentaria ao lado do poeta e músico Sid Campo, um conjunto de poemas musicados ao longo da carreira de ambos. Eu sentado, olhos nos olhos com aquela gaúcha, já sentia que aquela noite terminaria de uma forma muito especial. Adriana cantou poemas de Antônio Cícero (“Inverno”), Augusto de Campos (“Sem Saída”) e uma parceria feita com Arnaldo Antunes (“Para Lá”), já Sid cantou poemas próprios e um belíssimo poema de Emily Dickinson (“Se o Meu Riacho é Fluente”). Mas foi o bis que, definitivamente, arrancou lágrimas e suspiros do público presente. Ao som de “Mentiras”, “Mais Feliz” e “Vambora”, todos, sem exceção, acompanhavam a Adriana num único e lindo compasso harmônico.
Tudo o que poderia ter dado de errado na primeira noite do Festival, não deu. Tudo o que poderia ter dado certo, superou todas as expectativas. Vale conferir e aproveitar tudo o que literatura e seus afluentes têm a oferecer!
Abaixo, galeria de fotos do show de Adriana Calcanhotto. | Fotos: Liz Nóbrega
Estudante de jornalismo, com um tombo por cinema e literatura. Curte um festival de música assim como um bom gole de café. Enquanto não acha seu meu rumo, continua achando que é a pedra no meio do caminho.