A Copa do Mundo vista de Potilândia

Oito horas da manhã. Este foi o horário que os primeiros torcedores do jogo Itália e Uruguai começaram a aparecer na Avenida Capitão-Mor Gouveia, localizado em Potilândia, próximo à Arena das Dunas. Os moradores concordaram que a presença deles naquele local foi um momento importante, praticamente uma troca de experiências.

Os habitantes já estavam com as suas cadeiras, aparelhos de som (que tocavam desde forró até Roberto Carlos) e mesas nas calçadas. Também ficavam fotografando os italianos e uruguaios, lhes cumprimentando e querendo participar da festa.  “Olha a água e cerveja, está bem baratinha, podem comprar”, disse uma vendedora vestida com trajes verde e amarelo, peruca das mesmas cores e óculos escuros bem chamativos.  Ela estava na esquina entre a Avenida Capitão-Mor Gouveia com a BR-101.

“Como estão as vendas?”, perguntei. “Estão ótimas, eles compram mesmo”, respondeu. Os estrangeiros sempre paravam para fotografá-la. O idioma nunca foi uma barreira, a mímica era língua mais universal que o inglês. Por falar em empecilho, esta palavra não existia no dicionários dos italianos e urguaios, pois quem não conseguiu as entradas, ficou nos bares existentes na redondeza. Todos os estabelecimentos estavam lotados.

“Tirei muita foto com gringo. No jogo do Japão contra Grécia, eu vi um japonês pintado de azul e usando somente uma cueca. Foi algo diferente, engraçado”, disse o garoto Luiz Guilherme, de 11 anos, que exibiu o álbum da Copa quase completo e sempre soltava uma curiosidade sobre o mundo futebolístico.

 “Olha a água e cerveja, está bem baratinha, podem comprar”, disse uma vendedora vestida para Copa
“Olha a água e cerveja, está bem baratinha, podem comprar”, disse uma vendedora vestida para Copa

 “Sabia que Balotelli (jogador da Itália) faz parte do Milan?”, perguntou para mim, a pessoa que entende nada do esporte.

A cada hora que passava, o trânsito naquele local piorava, carros faziam fileiras nas ruas bem estreitas, porém não desanimava os torcedores nem os moradores. Aqueles que não estavam na calçada, ficavam agarrados nas grades dos portões observando os azzurras e celestes passarem.

Torcedores em um bar de Potilândia
Torcedores em um bar de Potilândia

Próximo ao início da partida, algumas pessoas também resolveram andar na interditada BR-101 e se misturavam com aqueles que iriam ao estádio. O clima era de confraternização. Também havia muitos brasileiros. Alguns estavam desesperados para comprar ingressos e outros querendo só se divertir, chegando a tocar tambor ou realizar flashmob.

Eram quase 11 horas da manhã, faltando 120 minutos para a competição iniciar, quando a comerciante Dora Fernandes resolveu colocar a televisão em seu armarinho e assistir ao jogo com os vizinhos do lado, regado a muito churrasco. Ela acompanha os torcedores desde o primeiro jogo em Natal, México e Camarões.

Apesar de ser procurada para a troca de dinheiro ou mesmo isqueiro para acender um cigarro, Dora não arrecadou muito com vendas. Entretanto os elogios aos gringos não foram comprometidos: “São legais, bonitos, muito educados, nunca nos desrespeitaram nestas quatro competições que teve na cidade”, disse a moradora.

Dora também apontou a bandeira do Brasil pintada na calçada. A comerciante disse que muitos a fotografaram. “Agora ela vai ser vista no Japão, Grécia, Estados Unidos e no mundo inteiro”. A sobrinha dela, a estudante de direito Rafaella Oliveira, concorda com o que a comerciante comentou e disse que não esperava a presença de muitas pessoas na cidade e esta foi uma das melhores férias de sua vida.

Italiano fantasiado caminhando para Arena das Dunas
Italiano fantasiado caminhando para Arena das Dunas

“Foi ótimo, não esperava que a cidade ficasse tão movimentada, o que vi foi algo único, uma vez que vai ser raro acontecer de novo em Natal e no Brasil”. Ela também relatou que os mexicanos foram os mais simpáticos e queriam tirar fotos com os moradores. “Eles gostaram de conversar com a gente. Adoravam dar presentes e teve um que me deu diversas pulseiras”.

Os torcedores soltavam gritos de guerra, estavam com bandeiras erguidas, além de apresentarem otimismo, apesar de que a partida seria bastante difícil, pois os dois estavam disputando uma vaga para a próxima fase e quem perdesse, estava fora.

A aposentada Áurea Silva, moradora do local há 40 anos, também conseguiu tirar fotos com os torcedores em todos os quatro jogos da cidade e estava gostando do movimento perto de sua residência. “Eu achei que tinha mais gente no jogo do Japão do que nesta partida”, comentou.

A televisão estava montada, o churrasco preparado e os vizinhos se reuniram para assistir na calçada do armarinho. Inicialmente, todos tinham certeza que a Itália poderia ganhar, uma vez que era a seleção que mais tinha renome, quatro vezes campeã. “A Itália nem precisa ganhar, só empatar. Então, vai ser fácil para eles”, disse uma das pessoas que estava andando pela calçada.

Além dos vizinhos, os motoristas que deixaram os torcedores no estádio resolveram se juntar à trupe. Foi o caso de Adilson Almeida, que levou um grupo de turistas pernambucanos para a capital potiguar. Ele comenta que a empresa onde trabalha foi bastante procurada para realizar estes passeios.

“Foram oito carros da companhia que levaram os turistas. Eu, por exemplo, estou levando uns funcionários de uma empresa. Porém eu já levei os mexicanos e japoneses pelas cidades que possuem jogos no Nordeste. Esta Copa está boa, é uma experiência satisfatória”, relata.

Moradora no portão e observando a presença dos estrangeiros
Moradora no portão e observando a presença dos estrangeiros

No final do primeiro tempo, Adilson já estava familiarizado com o pessoal, comendo a carne e perguntando quanto estava o placar da partida Inglaterra e Costa Rica com a finalidade de poder preencher a tabela.

O armarinho onde os expectadores olhavam a partida fica próximo a uma igreja evangélica, onde os protestantes tentavam falar com os torcedores que circulavam pelo local, através de folders e faixas. O estudante de doutorado, Eliás Januário, era um dos que participavam dessa atividade.

“[A vinda dos estrangeiros] foi acima da expectativa. Fizemos um processo de evangelização de modo acanhado. Tive dificuldade com a linguagem, principalmente o espanhol. Não foi um empecilho, fato. A aceitação deles foi boa. Eu gostei do trabalho, porque foi uma oportunidade de falar de Cristo para diferentes pessoas”, disse o jovem.

Uma outra frequentadora da igreja também estava animada com a presença dos estrangeiros, Ana Carla ficava o tempo todo na porta  e estava encantada com a quantidade de pessoas que apareciam. “Eu adorei esta Copa em Natal, os povos estavam todos reunidos. Eles são muito educados. Esperava esse movimento, mas não em Natal, pois aqui ainda é uma cidade pequena”, conta.

Ana Carla (à esquerda), fiel da igreja evangélica, acompanhando os torcedores do jogo Itália x Uruguai
Ana Carla (Direita), fiel da igreja evangélica, acompanhando os torcedores do jogo Itália x Uruguai

Voltando à festa no armarinho, a carne estava boa, o refrigerante bem gelado e as conversas sobre a atuação dos times participantes e se o Brasil estava preparado para combatê-los aconteciam direto. “Eu acho que a Itália vai ganhar esta partida”, disse uma convidada. “Não, o Mick Jagger disse no Twitter que a Itália ganharia. Logo, o Uruguai vence”, retruca a outra.

 O relógio apontava 15 horas da tarde quando o juiz apitou fim de jogo. No final do segundo tempo, o Uruguai realizou o gol da vitória e a Itália foi para casa logo mais cedo. Na volta para Potilândia, os italianos pegavam os táxis, com feições de angústia e chateação.

Uruguaio comemorando a vitória
Uruguaio comemorando a vitória

Já os uruguaios estavam em festas, corriam aos bares para festejar mais. “É para comemorar, porque eles tiraram o favorito, estão certos. Faria o mesmo, se fosse o Brasil”, disse o vendedor de automóveis, Luiz Antônio, que cresceu em Potilândia.

E a população da Potilândia? Recepcionaram da mesma forma que fizeram às 08 horas da manhã. “Achei bonito festejar a alegria com as pessoas de fora e nunca estávamos acostumados em ver, posso dizer que acompanhamos a Copa do Mundo”, disse a enfermeira Ana Cláudia Martins.

Nesta terça-feira (24), Natal recebeu a última partida da Copa do Mundo na cidade. Quatro jogos no total, sendo que os três primeiros foram México e Camarões; Estados Unidos e Gana; e Japão e Grécia.

Potilândia é um conjunto habitacional da Zona Sul da capital potiguar, criado no final década de 60 e é o mais antigo depois do Cidade da Esperança.  A maioria dos moradores é composta por idosos ou estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Eles estavam tão felizes quanto as pessoas que quase venderam a alma para comprar os ingressos.

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Lara Paiva
Natalense, jornalista, gosta de música, livros e boas histórias desde que se entende por gente. Também tem uma quedinha pela fotografia.
Lara Paiva

Lara Paiva

Natalense, jornalista, gosta de música, livros e boas histórias desde que se entende por gente. Também tem uma quedinha pela fotografia.

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