O sexo, em suas diversas modalidades, é o que muitos espectadores que se dispõe a ver um filme chamado “Ninfomaníaca” esperam ver. Essa temática, obviamente, compôs integralmente a propaganda do filme de Lars Von Trier. Imagens insinuando menage à trois, masturbação com objetos, sadomasoquismo e até um cartaz em que todos as personagens parecem estar no ápice do orgasmo foram sendo divulgadas aos poucos. No trailer oficial, essa temática estava aliada a uma trilha sonora tão forte e tão contraditória, que misturava música clássica com heavy metal. Em outras palavras, Lars queria – e conseguiu – criar um bafafá em torno de “Ninfomaníaca” de projeções estratosféricas. Entretanto, os espectadores que já tiveram a oportunidade de ver o filme concluíram que o novo longa de Lars não é, definitivamente, o pornô cult da propaganda difundida nos últimos meses.
Para quem esteve ausente do mundo virtual dos últimos meses, eis a sinopse desse filme polêmico: a “Ninfomaníaca” Joe (Charlotte Gainsbourg na fase adulta/Stacy Martin na fase jovem) é encontrada, toda ensanguentada e desacordada, num beco pelo pescador Seligman (Stellan Skarsgard), que decide levá-la para sua casa. Enquanto é amparada por ele, Joe decide contar a sua história desde a infância – como se estivesse num confessionário ou num divã – para justificar porque ela própria se considera um “ser humano desprezível”, mesmo estando naquela situação calamitosa.
O enredo, estruturado em cinco capítulos menores, é o que mais choca em “Ninfomaníaca” e sobre o qual se conclui que poderia ter sido criado apenas por Lars Von Trier, devido às situações inimagináveis que acontecem com a personagem Joe. Na adolescência, em troca de um saco com chocolates, Joe aposta com uma amiga transar com a maior quantidade de homens possível durante uma viagem de trem. Já adulta, ela decide na mais pura probabilidade – uma simples jogada de dado – se continua fazendo sexo com um determinado homem ou não, descartando qualquer sentimento demonstrado pelos caras com quem sai. São exemplos completamente impactantes para os espectadores que vivem numa sociedade sentimentalista e na qual o amor é considerado uma força especial.
Também chama atenção as racionais comparações feitas por Seligman para justificar o comportamento excessivo da mulher que salva: há razões bíblicas, literárias (as obras de Edgar Allan Poe e Thomas Mann), matemáticas (os números de Fibonacci) e até musicais (c0m a polifonia de Bach). Segundo Mário Abbade, do Jornal O Globo, Lars Von Trier fez uma referência aos críticos de cinema – principalmente aos seus detratores – que se prendem a qualquer referência para analisar um filme, quando na verdade essa obra deveria ser recebida como emoção pura, em lugar de racionalização mal-humorada. É nesse sentido que, para fundamentar a estratégia de Joe – que resultou na vitória em detrimento de sua amiga – durante a viagem de trem, o velho se utiliza da comparação mais ridícula de todo o filme: o sexo com a pescaria. Chega a ser risível equalizar a morbidez da atividade pesqueira com a intensidade de uma relação sexual!
Fazer os espectadores rirem num filme que seria destinado às cenas fortes é o maior mérito de Lars Von Trier. E o riso é despertado em diversas situações durante o longa, como numa sequência de fotos que exibe pênis flácidos e inofensivos de diversos tamanhos, formatos e cores, o que comprova que a sociedade pós-revolução sexual ainda fica surpresa com a “ousadia”. A mais destacada é, certamente, o capítulo Sra. H (Mrs. H), brilhantemente interpretada por Uma Thurman.
Mesmo com uma pequena participação – a de uma mulher que é abandonada por seu marido para ficar com a ninfomaníaca – a atriz destina toda carga de intensidade necessária ao papel. Ainda sobre boas atuações, vale salientar a grata surpresa que é a atriz Stacy Martin, que interpreta Joe na fase juvenil. Stellan Skarsgård e Charlotte Gainsbourg, reservados à conversa confessual, ainda não demonstraram excelentes performances. Já Willem Dafoe e Jamie Bell aparecerão na segunda fase da história, prevista para estrear em 21 de março nos cinemas brasileiros.
Engenhoso, Lars Von Trier abusa da manipulação no público desde o início – com um recurso sonoro para, literalmente, chamar a atenção para a história – até o final, em que exibe junto aos créditos trechos de cenas que prometem despertar muita curiosidade no público em “Ninfomaníaca – Volume II”, como se o mesmo ciclo promocional largamente utilizado nos últimos meses estivesse recomeçando. Para o Volume II, espero as cenas fortes prometidas, mas se elas não vierem novamente poderei afirmar pela segunda vez que broxar tenha sido bom – se o filme continuar provocando as risadas na mesma intensidade.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.