Não li a sinopse de “Asas do Desejo” (Der Himmel Uber Berlin, Alemanha, 1987) antes de assistir ao filme, ontem pela manhã. Graça a Deus. Durante os quarenta minutos iniciais, fiquei perambulando pelas cenas, pela fotografia sedutora, pelos monólogos silenciosos, procurando, instigada pela tradução romântica do título, um sentido, um foco, uma narrativa linear e heroica que não chegou.
O contexto do filme é uma Alemanha pós-guerra, dois anos antes a queda do muro de Berlim. “Asas do Desejo” retrata com maestria o sentimento que inundava a vida daquelas pessoas, embora pouca referência seja feita a guerra. O diretor, Win Wanders, soube organizar uma produção em que nenhum elemento é utilizada de forma vã. A união do som, movimentos ímpares de câmara e, indiscutivelmente, o jogo de cor no filme torna quase indispensável palavras em determinadas cenas, embora os diálogos curtos e os monólogos longos sejam o que permite ao espectador ficar íntimo daqueles personagens, pessoas comuns, mas singulares em seus mundos, acompanhadas de perto pelos anjos Damiel e Cassiel, que tentam, através de sua perspectiva em preto-e-branco, entendê-las e ajudá-las a enfrentar seus conflitos internos.
Os personagens, que no cinema com que estamos acostumados, não passariam de peças coadjuvantes, se tornam, cada um deles, protagonista de seu próprio momento. Não há hierarquia. O romance entre um dos anjos e uma trapezista, por quem ele se apaixona e motivo pelo qual abdica de suas asas de anjo, se torna mais um drama, não mais importante que outros indivíduos visitados pelos anjos.
Os diálogos são poéticos e inusitados. Casam perfeitamente, como em uma canção, com a trilha sonora, as cores e a escolha de ângulos e movimentos de câmera. “Asas do Desejo” é um filme belo e intimista. Para os espectadores menos treinados, pode parecer entediante e longo, mas após enxergar o “fio” que viaja por cada cena, é quase impossível fugir a atenção. A sensação, ao fim do filme, que passa longe de alívio ou alegria, nos intriga e nos desafia a procurar um sentido para toda a película. Em verdade, vos digo que esse sentido não será encontrado em coletividade. “Asas do Desejo” está inserido no contexto cinematográfico pós-moderno, que brinca e depende, de certa forma, do espectador. O filme não se faz por si mesmo, mas depende do repertório cultural e emocional de quem o assiste.
Curiosidade:
Sem querer da spoiler, mas já dando, um fato interessante sobre o filme é a presença do ator americano Peter Falk, interpretando ele mesmo. Falk é famoso pela protagonização da série policial da tv americana “Columbo”, a qual é referenciada várias vezes em “Asas do Desejo”.
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Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.