Preconceito, polêmica e muita curiosidade. Foram esses os motivos que fizeram com que minha primeira escolha cinematográfica de 2016 fosse “Boi Neon”, o vencedor do prêmio de melhor filme na mais recente edição do Festival do Rio. Fui movido pelo meu preconceito porque, ao ler na sinopse que o filme contava a história de um vaqueiro que sonha em trabalhar com moda, imaginei logo que fosse mais uma história de “cowboy viado”.
Já a polêmica e a curiosidade se relacionam com as cenas de nudez e sexo: o pênis do ator Juliano Cazarré, mesmo que por pouquíssimos segundos e sem closes, aparece ereto, além de, nessa mesma cena, seu personagem fazer sexo com uma grávida. Mas “Boi Neon”, felizmente, tem mais polêmicas do que essa. E não, essa não é a história de um homossexual.
O vaqueiro que faz roupas. Outro vaqueiro que faz chapinha. A mulher que dirige e conserta o caminhão, mas que nem por isso é desleixada ou considerada “mulher machão”: ela compra “calcinhas sexy” e faz depilação íntima. Outra mulher, grávida e segurança de fábrica, convida o personagem principal para ter relações sexuais. Tudo isso ocorre em meio a um sertão com modernas fábricas têxteis e pomposos leilões de animais.
O melhor da obra de Gabriel Mascaro é esse ambiente propício à quebra de muitos estereótipos. Deve ser por esse motivo que seu filme não se propõe a contar uma história com início, meio e fim, mas apenas mostra um recorte das vidas nômades de Iremar (Juliano Cazarré), o auxiliar de vaqueiro cujo sonho é uma carreira em algum pólo têxtil no Sertão, Galega (Maeve Jinkings), a motorista do caminhão de bois, sua filha Cacá (Alyne Santana) e os vaqueiros Mário (Josinaldo Alves) e Júnior (Vinícius de Oliveira).
Outro ponto polêmico abordado pelo filme é a questão das vaquejadas. Para alguns críticos ou mesmo o espectador mais “paternalista”, Boi Neon faz uma crítica ferrenha a esses eventos. Acredito, no entanto, que a obra de Mascaro mostra apenas um lado que as pessoas não estão acostumadas a ver. No Nordeste, e acho que o mesmo vale para o Centro-Oeste e o interior dos estados do Centro-Sul, as vaquejadas transformaram-se em megaespaços onde grandes atrações musicais se apresentam e empresas expõem seus produtos e serviços em stands.
O principal elemento das vaquejadas, o boi, foi deixado um pouco de lado. E o filme faz mais do que simplesmente resgatá-lo, mas mostra um pouco por trás de todo o glamour desses megaeventos. Nas palavras de Juliano Cazarré, o protagonista, “o filme mostra o curral e, ali, a gente vê que os bois realmente sofrem”. Em suma, o filme não toma partido em se tratando das vaquejadas, mas – como elas são o ambiente onde se desenrola a trama – todos seus aspectos positivos e negativos ficam evidentes.
Além da construção dos personagens que é quase um manifesto contra nossos clichês, “Boi Neon” vale a pena ser assistido pelo seu texto muito divertido, o trabalho de som – que preza o som direto e utiliza a trilha sonora apenas em momentos-chave – e a bela fotografia. No entanto, para capturar esse Nordeste diferente do que muitos imaginam, Mascaro abusa dos planos abertos, o que dificulta para o espectador capturar a expressão dos personagens.
“Boi Neon” tem grande reconhecimento dos críticos. No Festival do Rio, um dos mais importantes do país, arrebatou quatro prêmios: atriz coadjuvante (Alyne Santana), melhor roteiro, melhor fotografia e melhor filme. O sucesso de crítica, no entanto, não ficou restrito apenas ao Brasil. O filme passou pelos Festivais de Veneza, Hamburg, Adelaide, Warsaw e Toronto, sempre com menções honrosas ou prêmio de melhor filme pelo júri. No entanto, por causa do sistema de distribuição brasileiro que prioriza os blockbusters, o filme só teve cerca de 20.000 pagantes. Uma pena. Mais pessoas poderiam rever seus preconceitos nessa bela poesia cinematográfica. Assim como aconteceu comigo.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.