Brooklyn e o seu modo de cinema esquecido

Brooklyn nos chega na temporada de premiações e só ganha a atenção da maioria de seus espectadores brasileiros por sua polêmica indicação ao Oscar de melhor filme. Por isso é difícil fazer uma crítica isenta de julgamentos relativos à escolha da Academia. Primeiro: verdade seja dita, fossem apenas cinco os indicados, como eram anos atrás, Brooklyn não estaria entre eles. O que não faz dele um filme pior.

O filme se passa na década de 50 e acompanha a jornada de Ellis, uma garota irlandesa que deixa irmã e mãe para ir em busca de uma nova vida em Nova York. Confesso que a primeira metade do filme nos trata de uma maneira pouco lisonjeira. Acostumados a introduções mais elaboradas, apresentações mais profundas de personagens, somos jogados dentro da vida de Ellis sem nenhum aviso. Ela decreta que está partindo para a América e nós nos perguntamos sobre suas motivações, embora possamos subentender ou supor um punhado delas.

O filme também não se posiciona temporalmente, a não ser por pequenos detalhes como a exibição de Cantando na Chuva nos cinemas. Mas cá entre nós, é mesmo necessário? Na minha opinião, não. Toda a narrativa de Brooklyn está centralizada em Ellis, não temos subtramas ou personagens descartáveis. Tudo o que aparece na tela está direta e vitalmente ligado à jornada de Ellis, o que torna a ótima atuação de Saoirse Ronan ainda mais vital para o filme.

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As emoções mais fortes ficam para a segunda metade do filme, quando são reservados para a protagonista acontecimentos cruciais como envolvimento amoroso e perda na família, que a obrigam a tomar decisões importantes como voltar ou não para casa. Uma vez lá, ela se questiona se deve voltar para Nova York, e até mesmo se deveria ter ido. A mulher que vemos ao final do filme está longe de ser a garota a que formas apresentados pouco menos de duas horas antes.

Talvez Brooklyn peque apenas por transpor tão fielmente o romance no qual é baseado para as telas (o que faz dele meu favorito para melhor roteiro adaptado). Por vezes sentimos falta de uma linguagem mais cinemática. Mas novamente, o foco de Brooklyn é a história e Ellis. A maioria das emoções são internalizadas por ela e nós precisamos estar junto com ela nessa jornada para sentir o que o filme realmente é: um ensaio sobre como a solidão (em seus vários aspectos) nos afeta, uma história de amadurecimento, de perdas e de ganhos e, acima de tudo, de escolhas.

Saoerce Ronan é indicada ao prêmio de melhor atriz pelo filme
Saoerce Ronan é indicada ao prêmio de melhor atriz pelo filme

Eu confesso que não estava totalmente com Ellis quando o momento chegou. E me deixou triste perceber que a culpa não era do filme. Brooklyn é um filme redondo: roteiro fechadinho, fotografia bonita, tom suave, romântico sem ser brega, dramático sem ser exagerado. Um filme como se fazia antigamente. Sim, daqueles que nós reclamamos tanto que não se fazem mais. Mas em tempos de Mad Max, O Regresso e Perdido em Marte, ficamos tão mal-acostumados com câmeras nervosas e explicações minuciosas que nos perdemos do mais importante no cinema: a história e a emoção que a impulsiona.

Brooklyn não é o melhor filme do ano. Não é mesmo. Mas, ao menos para mim, é um alerta, um aviso de que cinema de alta qualidade pode ser feito de diversas maneiras, inclusive dessa maneira à moda antiga. Maneira da qual eu não quero mais me deixar perder.

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Victor Hugo Roque
Victor Hugo Roque

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