Há uma semana estreou o filme “Capitão Phillips”, que conta, em suma, a história real de Richard Phillips, capitão do navio cargueiro Maersk Alabama, que foi mantido refém por piratas somalis durante cinco dias em abril de 2009. No filme, Phillips é retratado com toda a pompa e circunstância destinada aos heróis americanos. Tom Hanks, que naturalmente já tem cara de bom moço, apresenta-se em uma boa atuação, que cativa e nos faz gostar do personagem, aparentemente altruísta e um bom líder, capaz de sacrificar-se para salvar a sua tripulação e a embarcação. Contudo, em entrevista sobre a fidelidade do roteiro do filme com a história real, o próprio Tom Hanks afirmou que “se você ler o livro, muitas coisas foram omitidas. Mas, quanto à história em si, em não acho que nada tenha sido. Tudo o que fizemos no filme é praticamente verdadeiro, se é que isso faz algum sentido”. O site americano que divulgou esse trecho questiona: “Será que ele está certo?”. Há quem diga que não.
Sempre desconfio de filmes supostamente baseados em fatos reais que intencionam nos fazer chorar. Ok, eu não sou uma descrente, mas raramente a realidade é tão enfeitada e comovente em todos os seus aspectos ao ponto explorado pelo filme do diretor Paul Greengrass. Capitão Phillips tem sido bastante elogiado pela crítica nacional, que vem caindo de amores pela história, indiscutível qualidade técnica da obra, e pela atuação comovente de Tom Hanks. A nível de obra cinematográfica que visa a distração momentânea e o entretenimento, sim, é inegável, palmas para a direção, para os atores e para o filme como um todo. Mas analisando a obra como um produto que tem também responsabilidade social, é desapontante ver o quanto ela deixa a desejar.
Me dei ao trabalho de pesquisar um pouco mais a fundo sobre a história e os reais acontecimentos. Me deparei com alguns sites que contavam a mesma história: o verdadeiro Capitão Phillips passa longe das expressões calmas, honestas, e do comportamento assumido pelo personagem de Tom Hanks. Contam alguns tripulantes que essa é uma visão romanceada do protagonista que, na verdade, era autoritário, egocêntrico, egoísta e inconsequente. Foi necessário, então, transformar Phillips em um herói, e ninguém melhor que Tom Hanks, em uma atuação digna de indicação ao Oscar, para fazê-lo.
Outro aspecto me incomodou no filme: sem querer bancar a humanista que levanta bandeiras e causas, a história em questão é muito delicada para se tratar olhando apenas um lado da moeda. O filme é trabalhado partindo do ponto de vista da tripulação do navio, mas durante praticamente todo o roteiro, a começar pelas escolhas de câmera, figurinos e discursos, incita-se uma percepção exagerada dos somalis como os grandes vilões da história, pessoas más que prejudicam os “coitados” dos americanos. Não, não estou tentando justificar atitudes ou desconstruir os malfeitores da história, mas pouco se mostra sobre as inclinações e o passado dos quatro piratas. Um pouco de estudo de história mostrará que isso é sim relevante. Contudo, o filme traz dois ou três momentos de humanização desses personagens. Não foram suficientes, mas foram alguma coisa. Um exemplo é quando Phillips, em conversa com o líder do grupo, menciona que há outras saídas, que não ser pescador ou assaltar navios. Como resposta, ouve um choque de realidade: “Talvez nos Estados Unidos da América”.
Como já mencionado, enquanto obra cinematográfica, o filme é impecável. Tem atuações espetaculares, com destaque para Tom Hanks e para o ator somali estreante Barkhad Abdi (Muse, o líder dos piratas), o roteiro é bem amarrado, com cenas de ação tensas, do tipo que fazem o espectador segurar a respiração. O filme, embora longo (mais de duas horas), dura o tempo que tem que durar e não se torna cansativo em nenhum momento. Não me surpreenderia vê-lo indicado a algumas categorias do Oscar, inclusive três das principais (melhor filme, melhor ator e melhor ator coadjuvante). E se a Academia continuar com a tendência a se comover com adaptações de dramas reais, Capitão Phillips certamente será um forte concorrente.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
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