O Brasil é um país que não se leva a sério. A frase atribuída a Charles de Gaulle, presidente francês, também vale para um Brasil – e seus personagens icônicos – que Guilherme Fontes levou às telas em Chatô – o Rei do Brasil (2015). O filme é baseado na biografia homônima de Assis Chateaubriand, magnata da comunicação brasileira e fundador dos Diários Associados – um dos maiores conglomerados de jornais impressos do Brasil, ainda existente –, da TV e da Rádio Tupi. Chateaubriand tinha uma personalidade ímpar – era cínico, debochado, extrovertido e muito, muito mulherengo – e atitudes bem polêmicas. Por exemplo, o investimento da qualidade dos programas da Tupi se dava apenas para justificar o custo dos patrocinadores, além de investir em arte, mesmo entendendo pouquíssimo desse assunto, unicamente porque ela o ajudava a conquistar poder.
Foi parodiando o ambiente de trabalho de Chateaubriand que Fontes escolheu para narrar a história. No último dia de sua vida, quase agonizando, toda a sua trajetória é revisitada num tipo de julgamento televisionado. No júri, vários personagens que fizeram parte da história do biografado: suas esposas, amantes (a principal delas – Vivi Sampaio – é interpretada por Andréa Beltrão) e sogras; seus parceiros de trabalho e inimigos importantes na história do Brasil, como Getúlio Vargas, interpretado por Paulo Betti. No comando desse programa, um apresentador bastante parecido com Chacrinha leva a atração com muita gozação, confirmando que, no Brasil, representamos nossas próprias características – muitas delas, negativas – com muito humor e sexo, quase que como uma chanchada.
Apesar de inovador em se tratando de cinebiografias brasileiras, o roteiro de Chatô tem muitos problemas. O programa de TV funciona como fio condutor da produção, sendo recortado por flashes da vida do biografado. Os problemas do longa começam aí, pois não há ligações entre esses vários recortes, podendo o espectador se sentir “perdido” em vários momentos. Contribui também para isso o fato de alguns personagens – como o núcleo formado pela primeira esposa de Chatô, Maria Eudóxia (Letícia Sabatella) e sua sogra (Zezé Polessa) – sumirem misteriosamente e, da mesma forma, reaparecerem muito depois sem um porquê. A montagem, caracterizada por planos curtíssimos, parecem mais embaralhar a cabeça do espectador do que uma inovação estética para ajudar a produção de Guilherme Fontes.
Outros aspectos do filme são OK. A atuação de todo o elenco, incluindo o protagonista feito por Marco Ricca, é a esperada para um filme de chanchada e a fotografia também é boa. Contudo, considerando as dificuldades de um filme que levou mais de 20 anos do começo da produção ao lançamento, Chatô, o Rei do Brasil até que merece mais do que um mero ok.
Para quem não sabe, o longa começou a ser filmado em 1995 e foi interrompido em 1999, quando foi cancelado pelo Ministério da Cultura por suspeitas de utilização indevida de dinheiro público. Segundo o Jornal O Globo, na época, o filme estava orçado em R$ 12,5 milhões. Fontes alega que o filme demorou para sair porque levou 15 anos para captar 20% do dinheiro. Além desse, um outro imbróglio foi com o Tribunal de Contas da União que, em 2008, determinou a devolução aos cofres públicos de R$ 15 milhões por irregularidades nas contas. Reforçam as suspeitas das autoridades algumas notícias veiculadas na imprensa, como a iniciativa megalomaníaca de trazer ao Brasil o diretor e produtor Francis Ford-Coppola – com toda a família – para trabalhar no filme, e o aluguel de um castelo na França para servir de locação ao longa. Os casos foram julgados pela 19ª Vara Criminal do Rio e a pena final de Fontes foi revertida para trabalho comunitário de sete horas semanais durante três anos e distribuição de cestas básicas.
Chatô, o Rei do Brasil tinha tudo para ser um excelente filme que conta de uma forma polêmica a história de um personagem também polêmico. Por conta de todo o embaraço com as autoridades, muita gente aguardava com ansiedade o lançamento da obra, comprovado com o registro de lotação máxima de muitas sessões no Rio de Janeiro e em São Paulo. No entanto, Fontes esquece de comentar o contexto da época, principalmente a manipulação escrachada da imprensa nas primeiras décadas do século XX, timidamente abordada. Esse tema ainda é ainda bastante espinhoso no nosso Brasil que atravessa uma crise político-econômica e, portanto, seria interessante vê-lo refletido nas telonas. Sua câmera não deixa espaço no primeiro plano para outra coisa a não ser para uma abordagem caricaturada do personagem principal. É, o Brasil não se leva a sério mesmo.
O filme está disponível na Netflix desde o dia 20 de fevereiro.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.