“Preto e azul. Deus versus homem. Dia versus noite.”, a frase proferida por Lex Luthor (Jesse Eisenberg, O Duplo) em determinado momento do terceiro ato, representa muito bem a dicotomia entre o público de Batman vs Superman – A Origem da Justiça (2016). Não aquela que se esperava, dividindo a plateia entre os dois protagonistas, mas a que separa fãs e leitores de HQ’s dos amantes do cinema.
A história se passa 18 meses após a catastrófica batalha retratada em O Homem de Aço. Um cansado Bruce Wayne (Ben Affleck, Garota Exemplar), temendo pela humanidade, inicia meticulosa preparação visando derrubar o Superman (Henry Cavill, O Agente da U.N.C.L.E.). Paralelamente, o excêntrico Lex Luthor usa de sua influência sobre o Governo para estudar os destroços das naves alienígenas apreendidas pelo exército estadunidense.
A produção agraciou grande parcela dos fãs. Vestidos com camisas de seus heróis favoritos da DC Comics, deliravam a cada frase de efeito, personagem querido ou embate sonhado durante anos de leitura. Essas reações refletem com precisão a escolha da Warner em atender um público muito específico, ignorando básicas necessidades cinematográficas.
Roteiro e direção entregam passagens longas, confusas e desnecessárias. Numa delas, Clark e alguém já morto têm uma conversa completamente deslocada da narrativa. Não fica claro se é um sonho, uma epifania ou mesmo uma memória. Algo parecido ocorre com o Homem Morcego quando alguém surge com uma importante informação. A direção de Zack Snyder (Watchmen – O Filme) não se define entre paranoia ou delírio, parecendo um sonho dentro de outro (Nolan?). Há quem diga que aquilo veio do futuro! Bem…
A sequência do deserto é descartável e mal coreografada. Alucinando, o Vigilante Noturno combate soldados num cenário pós-apocalíptico que aponta para um futuro vilão da franquia. Ou seja, além de só aumentar o tempo da projeção, a cena dá ao herói o dom da premonição (¬¬).
Como mostrado no início, o motivo que faz o Morcego querer o confronto é muito bom, já o do sobrevivente de Krypton é tolo e mal desenvolvido, sem sustentação lógica para abordar o emocional. A situação piora quando surge o motivo que finaliza o embate. Ele, por si, é bacana, mas fere toda a coerência do Batman até então, tirando-lhe a certeza absoluta de seus atos por, digamos, uma circunstância coincidente.
A auto sabotagem da produção começa já no título. Batman vs Superman sugere o encontro como ápice. Porém, A Origem da Justiça remete à formação do grupo de justiceiros da DC. Logo, deduz-se que o momento tão esperado não será definitivo. Afinal, ambos precisam estar em sintonia para que a Liga da Justiça aconteça. Na prática, temos um duelo curto e pouco memorável (embora passe longe de ser ruim) que perde espaço para um clímax genérico e clichê.
A abordagem da Mulher Maravilha é pífia e superficial. Ela não tem nenhuma função narrativa, propósito ou sentido, de forma que é impossível afirmar se a Gal Gadot (Velozes & Furiosos 7) é algo além de bonita. Sua apresentação deveria ser apenas no ato final (onde se mostra bem), despertando curiosidade. Até lá, a atriz serve apenas para desfilar em vestidos de festa que, juntos às joias, têm relação semiótica com o uniforme da amazona. E que momento constrangedor o do e-mail, hein?
O roteiro de Chris Terrio (vencedor do Oscar por Argo) e David S. Goyer (trilogia O Cavaleiro das Trevas) também tem pontos positivos. As personalidades dos dois personagens principais são bem administradas. Um reflete os 20 anos de combate ao crime com cansaço e intolerância; o outro tem um bom conflito interno entre o que ele é e o que pode ser para a humanidade. Além disso, o plano do Batman para lutar em pé de igualdade com seu rival é bem articulado, mostrando inteligência e preparo. Apesar da forma ridícula como entram no enredo, as provas da existência dos outros justiceiros é bacana e apela para o crível.
A atuação de Affleck é a melhor coisa do filme. Muito questionado desde a escolha, o ex-Demolidor foge dos excessos, dando peso à idade e ao cansaço na falta de paciência e na postura comedida, desinteressada em socialização. Já Cavil mantém a coerência do trabalho anterior, mesmo que empalideça perante as competentes Amy Adams (Grandes Olhos) e Diane Lane (Trumbo – Lista Negra).
Jesse Eisenberg está péssimo. Apesar da personagem, com atitudes infantis, não ajudar, o ator é excessivo. Seus trejeitos inquietos dão sensação de fragilidade e perturbação clínica, nunca chegando a ser ameaçador. A imaturidade é incoerente com a personalidade que deveria ter. Laurence Fishburne (da série Hannibal) é puro carisma com o inútil Perry White. Jeremy Irons (The Borgias) não me agrada com a figura nada paternal de seu Alfred.
A direção de Snyder não tem suas assinaturas estéticas, até mesmo as adoradas câmeras lentas estão reduzidas aqui, discretas. As cenas de ação pouco inventivas trazem bons momentos, como na batalha-título e na sequência do galpão (a melhor do filme), e outros muito mal conduzidos, como na epifania do deserto. A montagem vacila, a opção pelas trêmulas câmeras de mão e a edição com numerosos cortes afobados dificulta a compreensão em alguns momentos.
Os efeitos são muito competentes e bonitos, exceto o Apocalipse que é genérico demais. A fotografia de Larry Fong (Super 8) dá um tom acinzentado, dialogando com a nuance sóbria e negativa da história, e traz alguns bons momentos como na morte dos pais de Bruce; quando enquadra o Homem Morcego no alto de um guindaste; e nos voos do Superman, ao se valer de zoom in e zoom out que deixam os voos mais reais. Hans Zimmer (Batman – O Cavaleiro das Trevas) e Junkie XL (Mad Max – Estrada da Fúria) entregam um trabalho eficiente, ora remetendo à trilogia de Nolan, ao usar pancadas ritmadas, ora resgatando músicas de O Homem de Aço.
Batman vs Superman – A Origem da Justiça está sendo bem recebido pelos fãs, mesmo sem ser unânime entre eles. O ritmo ruim e a longa duração atrapalham demais, além dos numerosos problemas. Fazer Cinema implica pensar no público consumidor em geral, não apenas numa parcela dele. Batman e Superman nunca estiveram tão próximos das HQ’s e, poucas vezes, tão distantes da sétima arte.
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!