Cine Holliúdy: Sotaque, expressões e a irreverência cearense nas telonas

A iniciativa de fazer um filme genuinamente cearense vem sendo extremamente bem recebida em todo o país. “Cine Holliúdy” (2013) já é a segunda melhor bilheteria de comédia nacional do ano, perdendo apenas para “Minha Mãe é Uma Peça” (2013). O longa escrito e dirigido por Halder Gomes se centra na história de um sonhador e apaixonado por cinema, Francisgleydisson (Edmilson Filho). De sua introdução até os créditos finais, o longa não tenta se vender como um filme polido, como a maioria das películas tupiniquins vêm fazendo, a obra assume uma identidade regional e foge às escolhas óbvias.

O proprietário do Cine Hollíudy, Francisgleydisson (Edmilson Filho)

O Nordeste já foi tema de filmes bastante famosos na história recente do cinema nacional como “O Auto da Compadecida” (2000), “ Eu, Tu, Eles” (2000), “Lisbela e o Prisioneiro” (2003) e “Ó Pai Ó” (2007), só para citar alguns. No entanto, todos esses possuem um toque de sudeste, seja no elenco, na direção ou na produção acetinada e “palatável” para os padrões da Globo. A diferença do filme cearense está justamente ai, no olhar de dentro, do Nordeste pro nordestino e (com legendas) pro resto do Brasil. “Cine Holliúdy” não é impecável, é bem verdade, mas tem carisma e charme próprios.

A história se passa no interior do Ceará na década de 70, Francisgleydisson (Edmilson Filho) é um dono de cinema, o Cine Holliúdy, e cada dia se preocupa mais com o avanço da TV e a perda do prestígio do cinema nos municípios interioranos. A TV representava um entrave para os negócios do protagonista. Após a televisão chegar a sua cidade natal, Francisgleydisson decide mudar-se com sua mulher e seu filho para um novo endereço e seguem para Pacatuba.

O prefeito Olegário Elpdio (Roberto Bomtempo) e o Cego (Falcão ao fundo)

A chegada à nova cidade não é das melhores, após uma longa viagem na “Wanderléa”, seu carro usado, a família por fim chega à Pacatuba e a notícia de um cinema na cidade inspira cuidados do prefeito, Olegário Elpdio (Roberto Bomtempo) que faz questão de se certificar que o Franscisgleydisson está com toda a papelada em ordem para abrir seu estabelecimento. Em sua estreia, o cinema logo se torna a atração da cidade, e o desenrolar do filme todo se dá neste instante mágico, nessa primeira sessão.

Franscisgleydson, sua esposa, Graciosa (Miriam Feeland) e Francin (Joel Gomes)

Como toda cidade pequena, as pessoas se conhecem e sempre existem aquelas figuras folclóricas, como o beberrão, o puxa saco, a interesseira, o inconveniente. O elenco cearense garante o riso, aliás, de um modo geral, cearenses são muito hábeis no humor, principalmente no humor escrachado e sem papas na língua, são ótimos “loroteiros” (contadores de história) e têm expressões divertidíssimas, mas essa última não é uma particularidade só do Ceará, mas do Nordeste como um todo.

É importante ressaltar as participações de humoristas cearenses no longa, como Falcão e Zé Modesto, que interpretam respectivamente: o cego e o bêbado. Embora pequenas, suas aparições foram suficiente para uma boa piada ou uma tirada divertida. Outro personagem cujo nome passou batido, mas que você caro leitor ao assistir o filme certamente irá lembrar é do cara que adora repetir tudo que fala, como quando chama a esposa do prefeito de “espilicute” (exibida no linguajar cearencês).

Cine Holliúdy traz diversas referências, nacionais e internacionais. As sessões exibidas por Franscisgleydisson passam, em sua maioria, filmes de artes marciais, gênero que ganhou bastante visibilidade com os filmes de Bruce Lee na década de sessenta. Outra referência que pude notar foi a chanchada, gênero em que predomina um humor ingênuo e de caráter popular, famoso na década de 30 e 60, consagrando grandes nomes como Oscarito e Grande Otelo. Guardadas as proporções, o filme de Halder Gomes trás um novo gás as comédias nacionais, peca em alguns momentos que, ao meu ver, se excede, quando cria cenas só para fazer uso de algumas expressões do vocabulário “cearencês” e piadas “gaiatas”, mas o saldo geral é um filme que faz rir e diverte, coisa que as últimas comédias da Globo Filmes não têm conseguido, além de ser uma homenagem à sétima arte.

Compartilhe

Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

Postagens Relacionadas

f4819caa3eebf26f8534e1f4d7e196bc-scaled
"Imperdoável" tem atuações marcantes e impacta com plot twist
Se um dia Sandra Bullock já ganhou o Framboesa de Ouro, após “Imperdoável” (Netflix, 2021),...
1_4XtOpvPpxcMjIoKGkUsOIA
Cobra Kai: nostalgia ao cinema dos anos 80
A saga Karatê Kid se tornou um marco memorável aos cinemas durante os anos 80. A série de filmes conta...

Deixe uma resposta

0 0 votes
Classificação do artigo
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x