Consciência Negra: a dívida do Brasil

Trecho da canção "A Carne", de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Cappellette | Ilustração de Thiago Castor
Trecho da canção “A Carne”, de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Cappellette | Ilustração de Thiago Castor

Dia 20 de novembro de 2013 será mais um dia a se pensar sobre a situação social dos negros em nosso país. Dia 20 de novembro de 1965 morreu Zumbi dos Palmares, herói e símbolo da resistência negra contra as atrocidades da sociedade escravocrata brasileira. Dia 20 de novembro é dia de silêncio e memória, é dia da Consciência Negra, consciência de todos, afirmo isso, pois não há nesta terra um só brasileiro que não tenha sangue negro em suas veias.

Obra da exposição “Zumbi dos Palmares”, no Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi, em Suzano. Fonte: Catraca Livre
Obra da exposição “Zumbi dos Palmares”, no Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi, em Suzano. Fonte: Catraca Livre

E diante da aproximação do dia em questão não há assunto que mais esteja correlato ao tema do que a proposta do projeto de lei da Presidenta Dilma que visa implantar cotas raciais para os concursos públicos federais. Estamos diante do acerto de contas da sociedade brasileira com os negros do nosso país. São 500 anos de exploração, humilhações, torturas físicas e psicológicas, omissão de direitos, e preconceito, muito preconceito.

Respeito a opinião de quem é contra as cotas raciais, mas convido estas mesmas pessoas a pensarem um pouco sobre o seu cotidiano e sobre o círculo de pessoas com que convivem.

Se você foi de escola particular, com quantos negros você estudou? Se você estudou em algum dos cursos universitários mais elitizados deste país, quantos negros havia em sua sala? Quantos negros juízes você conhece? Quantos negros chefes ou que exercem cargos de direção você já trabalhou? Quantos médicos negros já te consultaram?

Achou difícil encontrar pessoas negras nas situações das perguntas acima? Pois bem, esta é a realidade da maior parte dos brasileiros negros e, pasmem, há quem defenda a inferioridade intelectual negra como característica genética e justificativa para estas situações.

A verdade é que não podemos mais esperar e esperar e esperar pelas oportunidades e direitos que há muito tempo aguardam os negros do Brasil. As cotas são medidas reparadoras, medidas que impulsionarão a igualdade social de quem foi escravizado, diminuído e cerceado durante toda a história de um país.

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As últimas pesquisas que se referem às cotas raciais das universidades brasileiras apontam que os cotistas obtiveram em sua maioria as melhores notas. Este é, sem dúvidas, um fato que reforça ainda mais a tese inclusiva das cotas sociais e raciais. É bem difícil que alguém que vive na favela, estude em escola pública e tenha a pele negra possua as mesmas oportunidades de quem cresceu na zona sul, estudou em escola particular e tem a pele branca.

Também em recente levantamento, foi constatado que na USP, universidade que utiliza apenas o critério socioeconômico e não o racial para as suas cotas, existem apenas 4 negros nos  10 cursos mais disputados da instituição. “A USP hoje dá bônus no vestibular para estudantes de escolas públicas, mas não existe um benefício específico para pretos, pardos ou indígenas. Uma ampliação da política está em estudo.” (Jairo Marques, Folha de S. Paulo).

Arte de Ana Clara Monteiro
Obra de Ana Clara Monteiro

Outra importante opinião dada acerca do assunto foi a do renomado e famoso juiz William Douglas. Conhecido como “guru dos concursos”, exemplo de superação e esforço, confessou que antes tinha opinião contrária às cotas raciais nas universidades, mas que depois do seu trabalho social nas cadeias brasileiras mudou completamente a opinião que antes defendia: “Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem fazê-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia “na cadeia”. Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, balé, nem coisa parecida, inclusive, nem professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que frequenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa “passar um dia na cadeia” antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.”

A implementação das cotas raciais é, acima de tudo, justiça social, é a dívida de uma conta que nunca teve pagamento. Negar o preconceito racial brasileiro e suas consequências é o novo preconceito. “Quem quiser saber o que é ser negro neste país, só basta 48 horas na pele de um para entender, não mais que isso.” (Luislinda Valois, primeira juíza negra do Brasil.)

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Ana Medeiros
Mãe de Maria Anita, advogada por formação, na poesia tem um pé, na música o coração.
Ana Medeiros

Ana Medeiros

Mãe de Maria Anita, advogada por formação, na poesia tem um pé, na música o coração.

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