Das vezes que morri em você: quanta intensidade pode existir em treze anos?

Foi graças a uma matéria da Revista Esquina que fiquei sabendo, em cima da hora, sobre o lançamento do livro “das vezes que morri em você”, da jovem poetisa potiguar Regina Azevedo. E quando adjetivo a moça de “jovem”, acreditem, não estou me utilizando de eufemismo. No mesmo dia, mais tarde, estava eu no Solar Bela Vista, onde aconteceu o lançamento do livro pela Editora Jovens Escribas. Adquiri meu exemplar muito mais por curiosidade e identificação que por outra coisa. Queria saber o que uma garota tão jovem em idade, em plena era digital, tinha a nos contar em folhas de papel.

Regina nasceu em 11 de janeiro do ano de 2000, em Natal, contabilizando (ainda) 13 anos de idade. Isso não pode ser constatado, contudo, apenas lendo as páginas de seu livro. Na maior parte do conteúdo de “das vezes que morri em você” a impressão que temos é que se trata de alguém com mais idade, tanto por sua estilística quanto por suas experiências. Como poetisa, sua escrita é um tanto imatura, é verdade, mas quando utilizamos como referencial uma garota de treze anos, facilmente mudamos essa perspectiva. É mais justo e coerente chamar-lhe de pré-matura.

Regina Azevedo tem 13 anos e é autora de "das vezes que morri em você"
Regina Azevedo tem 13 anos e é autora de “das vezes que morri em você”

Ainda na mesma entrevista concedida à Revista Esquina, Regina classifica seus escritos como “carno-marginais”, por tratarem de temas do corpo e se enquadrarem como literatura marginal, sem a preocupação métrica ou literária em serem fiéis a um padrão. Contudo, delimitar o conteúdo de “das vezes que morri em você” a essa classificação é restringi-lo. Trata-se de muito mais. Regina surpreende pela maturidade e sensibilidade como trata temas políticos e sociais, mostrando uma criticidade incomum para alguém de sua idade. A exemplo de:

“nos seus cílios eu vejo
um gradeado completo
de uma prisão brasileira.

sr. político,
vá ao oftalmologista”

“se voto nele
ou se voto nulo
isso só afeta
todo mundo.”

A autora também fala de amor, sexo e de experiências “carnais” que nos fazem desejar compreender seu universo, e também causam identificação, em alguns momentos. Mas Regina também se expõe e demonstra fragilidade emocional, desaguando em suas páginas, sem preocupar-se com o quanto a sua emoção e honestidade poderiam comprometer a sua poesia. Isso está presente, por exemplo, no poema “Nossa casa nas estrelas” e em outros, sem título, dedicados ao seu avô e a outros amores.

Também surpreende a habilidade de manuseio das palavras em alguns poemas. Regina joga com as rimas e com a ausência delas, utiliza-se de paradoxos e consegue criar clímax e quebrá-los em estrofes de quatro versos, ou menos, feito que muitos escritores com mais estrada ainda penam para realizar. Como exemplo:

“a sala repleta
de pessoas
vazias”

“descubro novos planetas
no céu
da tua
boca”

Contudo, é no belo poema de encerramento do livro, “À memória de Anne Frank”, que Regina Azevedo definitivamente ganhou minha simpatia, quando homenageia uma personagem da história e da literatura (conhecida por ter escrito um dos diários mais lidos do mundo) por quem, aparentemente, eu e Regina temos um apreço em comum. O poema é sensível e eu diria que um dos mais caprichosos do livro.

Outro aspecto digno de nota é a diagramação zelosa da obra, obra de Danilo Medeiros, que recheou as 101 páginas do livro de forma dinâmica e agradável para o leitor. Algumas vezes, os textos lembram poesias concretas, devido às escolhas de organização feitas por Danilo, sempre brincando com as orientações das estrofes na página (horizontal, vertical, texto normal, invertido…) e com as cores (preto e branco). Também é assinada por ele a capa da obra, uma colorida obra de arte, coerente com a autora do livro (que adora tintas, telas e hidrocores). A escolha abstrata de Danilo Medeiros já provocou as mais infindáveis discussões sobre o que na verdade as cores misturadas representam. Regina vê pássaros, outra pessoa vê um olho e uma boca, eu não vejo nada, além de uma aquarela. O que você vê?

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Uma das minhas dificuldades na leitura foi desvendar o motivo do título da obra. Regina preferiu não ser explícita quanto a isso. Apenas próximo às últimas páginas do livro encontramos um poema (sem título) que explica, indiretamente, a expressão “das vezes que morri em você”. Fica a dica para os curiosos. A ironia é que o título da obra que celebra o nascimento da autora no meio literário fale justamente de morte.

Não se pode dizer que Regina Azevedo seja um gênio da literatura contemporânea. Ainda. Há sensibilidade e dedicação para que um dia possa alcançar esse patamar. O debute se deu em grande estilo, agora resta-lhe o peso de críticas, elogios e das expectativas alheias, que inevitavelmente se instalarão.  O fato de ter começado a escalar o árduo e exigente caminho bem antes da maioria das pessoas já é uma vantagem a mais para a jovem poetisa. Os primeiros ladrilhos foram percorridos, mas ainda lhe resta uma longa estrada pela frente. A minha aposta é que Regina a atravessará.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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