O jazz sempre foi um estilo musical que me agradou, embora não ouça os virtuosos instrumentistas e solistas com muita frequência, sempre me pegava ouvindo as grandes vozes do gênero, em sua maioria, as cantoras. Com a aproximação do MPB Jazz, aqui em Natal, resolvi relembrar as minhas divas do jazz favoritas e selecionei quatro nomes, que pra mim e pra muitos representam não só o gênero musical, como a essência da musicalidade da mulher negra norte-americana. São elas: Nina Simone, Billie Holiday, Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald.

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Nina Simone, nascida na Carolina do Norte em 1933, estudou piano na Julliard School em Nova York. Tinha a ambição de ser pianista clássica. Famosa tanto pelo seu talento, quanto por seu temperamento muito difícil. Nina se envolveu seriamente no movimento dos direitos civis. No final de sua vida foi viver na França, tendo gravado bastante em francês, e faleceu em 2003. Filhas de pais religiosos, aos vinte anos, Nina, nascida Eunice Kathleen Waymon, adotou o nome artístico de Nina Simone para poder tocar em cabarés de Nova Iorque, Filadélfia e Atlantic City, escondida de seus pais.

Superação e sofrimento são duas palavras que sempre estiveram no vocabulário das grandes cantoras de jazz. Nina Simone, quando jovem, foi impedida de ingressar em um conservatório de música na Filadélfia; também se destacou e foi perseguida por abraçar publicamente todo tipo de combate ao racismo. Seu envolvimento era tamanho, que chegou a cantar no enterro do pacifista Martin Luther King. Casada com um policial nova-iorquino, Nina também sofreu com a violência do marido, que a espancava. E tudo isso, dizia ela, bem como as várias portas fechadas ao longo de sua carreira, deviam-se ao fato de ser negra. Foi uma das primeiras artistas negras a ingressar na renomada Juilliard School of Music, em Nova Iorque.

Para a mulher que sonhava em ser concertista, ter de tocar como pianista de bar e ser obrigada a cantar foi a melhor coisa que aconteceu para Nina Simone. Em seu repertório, Nina criou clássicos e imortalizou hits como “Feeling Good”, “Aint Got No – I Got Life”, “I Wish I Know How It Would Feel To Be Free”, e “Here Comes The Sun”, além de “My Baby Just Cares For Me” que gravou e apareceu numa propaganda de perfume francês. Era uma intérprete visceral, compositora inspirada e tocava piano com energia e perfeição, coisa rara que só gênios da música conseguem. Ouçam: “Feeling Good“, “I Put a Spell On You“, “My Baby Just Cares for Me“, “I Want A Little Sugar In My Bowl” e “Do What you got a do“.

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Sarah Vaughan, tinha uma extensão vocal enorme, muito rara, além de ser uma pianista competente. O fato de tocar piano lhe dava conhecimento de harmonia, o que enriquecia suas improvisações. Junto com Ella Fizgerald e Billie Holiday, forma o trio das grandes cantoras de jazz, mas para muitos, Sarah era a maior. A voz de Vaughan caracterizava-se por sua tonalidade grave, por sua enorme versatilidade e por seu controle do vibrato perfeito. Sarah Vaughan foi uma das primeiras vocalistas a incorporar o fraseio do bebop.

Sarah desenvolveu cedo um amor pela música popular, ouvindo gravações e rádio. Na década de 30, em sua cidade natal,  Newark, possuía um cenário musical ativo, e pôde ver bandas locais ou de turnê tocando em lugares como a pista de patinação da rua Montgomery, Montgomery Street Skating Rink. Na juventudade, Sarah começa a se aventurar, ilegalmente, em clubes noturnos da cidade, atuando como pianista e, algumas vezes, cantora. Entre os locais mais notáveis, o Piccadilly Club e o Aeroporto de Newark.

Sarah abandonou a escola e passou a participar de concursos para músicos amadores, até que ganhou o primeiro prêmio na pioneira casa de espetáculos Apollo Theatre, o que lhe abriu muitas portas no meio musical e dentro de pouco tempo foi convidada a integrar a banda de Earl Hines a convite do cantor Billy Eckstine que ficou simplesmente estarrecido com a performance da garota. Sarah Vaughan decidiu tentar a carreira solo em 1945, seus primeiros álbuns ao lado de Tadd Dameron eram alguns dos mais cults da época, fato que a levou a se unir com os músicos revolucionários do bepbop como Charlie Parker e Dizzy Gillespie, com quem havia trabalhado anos antes na banda de Earl Hines.

Sarah Vaughan tinha pleno domínio de seu instrumento (piano), com o qual improvisava de maneira magistral (scat singing) e sua voz elegante parecia sair sem nenhum esforço. Com sua morte em 1990, Sarah Vaughan passou a fazer parte do triunvirato composto por Ella Fitzgerald e Billie Holiday. Faleceu em 1989, de câncer no pulmão, mas deixou um legado musical invejável. Atenção para: “Misty“, “Summertime“, “The Man I Love“, “Fly Me to the Moon“, “Shadow Of Your Smile” e “Tenderly

Photo of Billie HOLIDAY

Billie Holiday, nascida Eleanora Fagan Gough, passou todos os sofrimentos que uma menina americana negra e pobre poderia passar. Aos dez anos foi violentada sexualmente por um vizinho, e internada numa casa de correção para meninas vítimas de abuso. Aos doze, trabalhava lavando o chão de prostíbulos. Aos quatorze anos, morando com sua mãe em Nova York, caiu na prostituição. A carreira de cantora começou por acaso, prestes a ser despejada de casa e sem dinheiro para pagar o aluguel, Billie ofereceu-se como dançarina em um bar do Harlem. Perguntada pelo pianista do lugar se sabia cantar, Billie cantou e por fim ganhou um emprego fixo. Apesar de nunca ter uma educação formal de música, o aprendizado da cantora foi ouvindo os mestres: Bessie Smith e Louis Armstrong.

Após três anos cantando em várias casas de show, Billie atraiu a atenção do crítico John Hammond, que viabilizou a gravação de seu primeiro disco, com a big band de Benny Goodman. Era o real início de sua carreira. Começou a cantar em casas noturnas do Harlem (Nova York), onde adotou seu nome artístico. Cantou com as big bands de Artie Shaw e Count Basie e foi uma das primeiras negras a cantar com uma banda de brancos, em época de segregação racial nos Estados Unidos (anos 1930).

Não tinha o ritmo e alegria de Ella, nem a qualidade técnica, quase operística, de Sarah, mas transmitia o sofrimento de sua vida em cada nota musical. Consagrou-se apresentando-se com as orquestras de Duke Ellington, Teddy Wilson, Count Basie e Artie Shaw, e ao lado de Louis Armstrong. Billie Holiday foi uma das mais comoventes e genuínas cantoras de jazz de sua época, com uma voz um tanto quanto etérea, flexível e levemente rouca. Tudo em Billie era sensível,  sua dicção e  seu fraseado, expressando uma profundidade e emoção singulares. Foi apelidada por um de grandes ícones do blues e jazz, Lester Young, de “Lady Day”, com quem gravou  posteriormente cerca de cinquenta canções, repletas de swing e cumplicidade.

O álcool, as drogas e a depressão arruinaram a carreira bem sucedida de Holiday, o que ficava nitidamente perceptível em sua voz. Pouco antes de sua morte por overdose de drogas, Billie Holiday publicou sua autobiografia em 1956, Lady Sings the Blues, a partir da qual foi feito um filme, em 1972, tendo Diana Ross no papel principal, obra obrigatória para se compreender mais sobre esse fenômeno da natureza, Billie Holiday. Ouçam: “Strange Fruit“, “All Of Me“, “Body and Soul“, “Am I Blue” e”Don’t Explain“.

Photo of Ella Fitzgerald

Ella Fitzgerald foi uma das mais versáteis, se não a mais versátil intérprete do jazz. Iniciou sua carreira com a banda de Chick Webb, com a qual ficou de 35 a 42. Gravou muitos song-books com seleções da obra de Cole Porter, Richard Rodgers, Irving Berlin, George Gershwin e em 1957 um álbum duplo com o song-book de Duke Ellington. Seu último recital foi em 1993. Seu final de vida foi muito triste, com a diabetes lhe causando sérios problemas. Os amantes de jazz se dividem entre os que preferem Ella, os fãs de Sarah e os de Billie, ou não, sabe como é gosto.

Nascida na Virgínia, Ella ficou famosa como a “Primeira Dama da Canção”, sua extensão vocal alcançava três oitavas, mas o que mais se percebe ao ouvir sua voz é a clareza na sua dicção e entonação. Ótima de improvisos, Ella recebeu todas as honrarias possíveis, 14 prêmios Grammys, Medalha Nacional das Artes, Medalha Presidencial da Liberdade e considerada pelos críticos musicais norte-americanos como a maior cantora do século XX.

Fez sua estreia como cantora aos 17 anos, em 1934, no Teatro Apollo, no Harlem. Foi cativando o público semanalmente no Apollo, e teve a oportunidade de competir numa das primeiras “Amateur Nights” do teatro. Assim como Billie Holiday, pretendia dançar, porém, intimidada pelas Edward Sisters, uma dupla local de dançarinas, optou por cantar no estilo de Connee Boswell. Interpretou “Judy”, de Boswell, e “The Object of My Affection”, das Boswell Sisters, e conquistou o prêmio principal, de 25 dólares. Contratada pela gravadora Decca, obteve vários sucessos gravando com artistas como Ink Spots, Louis Jordan e os Delta Rhythm Boys.

Com o declínio da era do swing (jazz tradicional) e o advento do bebop (corrente do jazz com melodias rápidas que privilegia os pequenos conjuntos, como os trios, os quartetos e os solistas) do seu estilo musical, Ella prontamente se adaptou e mudou seu estilo de cantar. Muita de sua mudança vocal deve-se ao seu trabalho com a big band de Dizzy Gillespie. Foi neste período que Fitzgerald começou a incluir o scat como uma das marcas registradas de seu repertório.

Enquanto gravava os songbooks e ocasionais álbuns de estúdio, Ella se apresentava ao vivo durante 40 a 45 semanas por ano, nos Estados Unidos e internacionalmente, sob a tutela de seu empresário e produtor musical Norman Granz, que ajudou a solidificar sua posição como uma das principais intérpretes ao vivo de jazz. Uma passagem curiosa sobre a vida de Ella é que ela foi a primeira cantora negra a se apresentar num dos mais badalados clubes de Toronto, El Mocambo, depois de Marilyn Monroe interceder a seu favor com o proprietário da casa. E como histórias boas como não passam despercebidas, o episódio foi transformado numa peça por Bonnie Greer, em 2005.

As colaborações mais famosas de Ella Fitzgerald foram com o trompetista Louis Armstrong, o guitarrista Joe Pass, dentre outros. Devido a sérios problemas de saúde, Ella fez sua última gravação em 1991, e sua última apresentação ao vivo em 1993. Morreu em 1996, em Beverly Hills, Califórnia, aos 79 anos de idade. O material de arquivo da sua longa carreira está armazenado no Centro de Arquivos do Museu Nacional de História Americana, do Smithsonian, enquanto seus arranjos musicais pessoais estão guardados na Biblioteca do Congresso. E sua música eterna está a disposição daqueles que querem apreciar da boa música. Atenção para: “Cry Me a River“, “All the Things You Are“, “Dream a Little Dream of Me“, “Blue Skies” e “Hallelujah, I love Him so“.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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