Era exatamente 21h10, 10 minutos após o horário previsto para o início do espetáculo, quando as luzes do Teatro Riachuelo se apagaram. A partir daquele momento, a casa assumiu um clima tenso e, por uma hora e quinze minutos, beleza, técnica e horror se entrelaçaram e deram à luz uma apresentação cênica de arrebatar o fôlego.
O espetáculo Dracula, encenado em Natal na última quarta-feira (2) pela portuguesa Vortice Dance Company, com percurso e prêmios em vários lugares mundo afora, promete um resgate às lendas e origens de uma das figuras mitológicas mais presentes no imaginário popular: o vampiro. E não só cumpre como surpreende. O espetáculo assinado por Cláudia Martins e Rafael Carriço utiliza-se não apenas da arte clássica da dança, como também de artifícios de luz – que provocam efeitos maravilhosos na cena -, por vezes de projeções, que “engrandecem” os movimentos e intensificam as sensações, e ainda um quê de dramaturgia teatral. Quem, como eu, foi esperando “apenas” um espetáculo de dança certamente saiu maravilhado.
Ao ver o trailer de Dracula no Youtube, a sensação que fica é de puro horror, assim como o que sentimos ao digerir duas das principais obras que inspiraram o espetáculo, o livro “Drácula”, de Bram Stoker, e o filme “Drácula de Bram Stoker” (1992), de Francis Ford Coppola. Confesso que me indaguei se a companhia conseguiria sustentar esse clima durante a mais de uma hora em um espetáculo de dança, onde o foco são os movimentos do corpo e os diálogos são mínimos, quase inexistentes. Contudo, os criadores e dançarinos da companhia dão um verdadeiro show.
Com o auxílio de um cenário enxuto, mas bem significativo, uma escolha de movimentos bem dramática, um figurino inspirado e, sobretudo, uma trilha sonora que ajuda a segurar a tensão do início ao fim, Dracula se mostra um espetáculo estético de grande peso, mas também narrativo, que captura a essência do mito por trás da figura do vampiro e traduz maravilhosamente no palco, sem se apoiar totalmente nas (várias) referências utilizadas ou em cenas já comuns em narrativas do mesmo estilo.
Alguns momentos merecem destaque na apresentação. Para não me alongar, citarei dois apenas: o primeiro deles faz referência a condessa húngara Elizabeth Bathory, que entrou para a história como uma das inspirações para a figura do vampiro que hoje conhecemos. Uma dançarina com um vestido vermelho domina o palco em uma performance de arrepiar. Chamam atenção os efeitos do vestido (auxiliados por outros dançarinos), que fazem toda a diferença na cena. O segundo momento é o que faz referência a Lucy Westenra, ou “The Bloofer Lady”, uma das personagens de Bram Stoker em Drácula. Para a composição da Lucy do espetáculo, os criadores se apoiaram no figurino da mesma personagem no filme de Coppola. Esse foi outro momento em que tive vontade de segurar a respiração apenas para não atrapalhar a atmosfera que se instalara no Teatro.
Percebe-se sem muito esforço que Dracula é um daqueles espetáculos cuidadosamente estudados e preparados. A Vortice Dance Company oferece 75 minutos de inserção em um universo de tensão e horror, do qual eu, particularmente, só consegui sair quando as luzes se acenderam ao fim do espetáculo. Os dançarinos foram ovacionados de pé pelo público durante cinco minutos, e não foi à toa. Os mais exigentes fãs de vampiros, como eu, ficaram orgulhosos. Stoker e Coppola, seguramente, também ficariam.
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.