Em Ritmo de Fuga: Estiloso, “Cool” e Divertido ao Extremo

Um dos filmes mais bobos que testemunhei no cinema este ano foi Velozes e Furiosos 8. A franquia chegou até o oitavo filme faturando alto (1,2 bilhão), apostando basicamente no entretenimento a base de cenas absurdas de ação, e em toneladas de efeito especial. E não há nada de errado nisso. A ideia não é (e nunca foi) ser inteligente, mas ser divertido. Se essa é a proposta da sua franquia, ok, isso é justo. Mas…

Em Ritmo de Fuga (Baby Driver) mostra exatamente toda a possibilidade que existe por trás de um filme de ação que combina as palavras-chave “carros” e “assaltos” e consegue, com um oitavo (1⁄8) do orçamento, fazer tudo o que Velozes e Furiosos pensa fazer (mas nunca consegue): ser não apenas absurdamente divertido, mas também extremamente estiloso, com cenas de perseguição genuinamente empolgantes e, acima de tudo, uma trama com pé e cabeça – mesmo que pouco original.

Ansel Egort (Baby) e Jamie Foxx (Bats): em busca da batida perfeita

É importante não se deixar enganar pela tradução tosca e genérica do título no Brasil: Em Ritmo de Fuga é a epítome do cool no cinema contemporâneo e, embora Ansel Egort esteja longe de ser um James Dean, a forma como o filme se move em função de uma trilha sonora é genial e verdadeiramente única. A maneira como os atores se movimentam, carros manobram, e armas disparam é como nada visto antes no cinema, justamente porque isso acontece dentro de uma lógica rítmica musical. O filme respira música e não “para” para momentos musicais. Nesse sentido faz uso de música melhor do que muitos musicais.

Nosso protagonista, Baby (Ansel Egort), cujo nome será explicado, sofreu um acidente na infância que o deixou órfão e com um zunido constante nos ouvidos. Assim, ouvir música permanentemente é uma forma de abafar o barulho, que de outra forma seria enlouquecedor. Baby tem como “tique” a escolha de uma trilha sonora perfeita para cada momento de seu cotidiano, o que se reflete na forma como enxerga o mundo – e é justamente através dessa lente (e fone) que vamos experienciar o filme.

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Dito isso, é fato que não existem novas ideias em jogo, e o filme segue um arco narrativo típico para filmes do gênero. Baby é o bom moço levado a uma vida de crime por erros do passado, esperando o momento em que terá sua dívida paga com o chefão, Doc (Kevin Spacey). É quando se apaixona por Debora (Lily James), uma simpática garçonete com apurado gosto musical (claro). Em meio à escalada da violência nos roubos do grupo, em parte graças à psicopatia de Bats (Jamie Foxx), Baby quer sair dessa vida. É óbvio que isso não vai ser tão fácil assim.

Entende? O filme é, de fato, mais estilo que substância. Mas quanto estilo! A ideia em si não é sair do filme pensando nas implicações morais do comportamento de Baby. Mas sim em: “cara, que louco!”.

Cena de perseguição inicial: muitos efeitos práticos e ação realista.

Nesse sentido, Em Ritmo de Fuga é entretenimento puro e consistente. É uma excelente demonstração de popcorn movie e deixa os outros blockbusters do verão americano desse ano no chinelo. O projeto é obra do diretor e roteirista Edgar Wright, que traz a mesma habilidade comum aos seus outros projetos. Todos os truques cinemáticos vistos em Scott Pilgrim, Hot Fuzz, Shaun of the Dead e The World’s End estão aqui, agora um pouco mais “controlados” e a serviço de uma trama mais madura e menos cômica. Cortes rápidos, transições criativas e movimento (muito, muito movimento) combinados com muita música. Esta é uma versão “hollywoodiana” de Edgar Wright (seu primeiro trabalho filmado nos EUA) e apenas deve abrir mais portas ao diretor.

Ansel Egort segura bem as pontas como nosso protagonista, mas um ator com um pouco mais de carisma poderia potencializar ainda mais o papel. Lily James, como a garçonete simpática que coleciona músicas com seu nome, não encontra muito o que fazer além de ser o par romântico (aliás, o filme não passa no Teste de Bechdel). Kevin Spacey e Jon Hamm são competentes como sempre, com arcos interessantes ao longo da história e Jamie Foxx apresenta um carisma fora de série como Bats.

Da esquerda para direita, Jon Hamm (Buddy), Kevin Spacey (Doc) e Jamie Foxx (Bats).

Por si só, Em Ritmo de Fuga é um filme sólido, mas que é elevado a outro nível pela sua capacidade de utilizar música para regê-lo, algo que é feito como nunca antes no gênero. Se James Gunn conseguiu com sucesso utilizar música para transformar cenas inteiras em Guardiões da Galáxia, Wright escreveu, filmou e editou o filme de acordo com a trilha sonora – todos os atores receberam o roteiro junto com um pendrive contendo as músicas. A música foi fundamental para ambos – Gunn e Wright trocaram figurinhas acerca da trilha sonora para evitar repetições (com sucesso) – e embora os dois tenham méritos próprios, a diferença está na inerência com qual som e movimento se compõe no espetáculo. Em Ritmo de Fuga, com outras músicas, seria um filme completamente diferente.

É uma pena que o filme esteja abrindo em poucas salas e com pouca divulgação aqui no país. Também não é o tipo  que irá ganhar muita atenção perto do Oscar, mas certamente irá encontrar um público cativo nos streams nossos de cada dia. E se você, assim como eu, anda um pouco entediado com as opções de filme no cinema nos últimos tempos, este é um filme para ser visto no cinema. Em Ritmo de Fuga merece ser visto em toda a glória de uma tela grande e som nas alturas.

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Diego Paes
Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.
Diego Paes

Diego Paes

Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.

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