Entrevista: Alex e Carlos Henrique, protagonistas do primeiro beijo gay não teatralizado da Globo

A Lapa, bairro da região central do Rio de Janeiro, sempre foi palco para a diversidade em todos os sentidos. Lá coexistem pacificamente gente das zonas Sul e Norte, assim como o samba convive harmoniosamente com as casas de rock. A maior contradição, entretanto, é entre o profano e o sagrado: mesmo conhecida como “bairro boêmio”, a Lapa abriga a Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro.

E é com uma vista panorâmica da Catedral Metropolitana do Rio que o ambientalista Alex Roch, de 28 anos, e o assistente administrativo Carlos Henrique Brito, de 31, vivem juntos há pouco mais de sete meses. Eles seriam apenas mais um casal gay que mora na Lapa se não fosse pelo fato de eles terem protagonizado o primeiro beijo gay da Rede Globo de Televisão.

Alex e Carlos Henrique (Fonte: Reprodução/Facebook)
Alex e Carlos Henrique (Fonte: Reprodução/Facebook)

Sim, para aqueles que ainda estão embasbacados com o beijo entre Niko e Félix em “Amor à Vida”, vale recordar que o primeiro beijo entre homens da emissora carioca aconteceu entre dois “verdadeiros homossexuais” durante um episódio do programa “Amor & Sexo”, apresentado por Fernanda Lima, em novembro de 2013.

O beijo gay de "Amor à Vida"
O beijo gay de “Amor à Vida”

Com a repercussão positiva do beijo ficcional, os rapazes gentilmente abriram seu apartamento para contar a “O Chaplin” se o mesmo aconteceu com eles. Confira a entrevista completa abaixo:

O CHAPLIN: Como vocês souberam que o Amor & Sexo estava recrutando pessoas para a brincadeira?

Alex e Carlos Henrique: Eu tenho uma conhecida, uma transex, produtora do programa. Ela sempre procurava perfis de acordo com o tema do programa. Teve uma certa vez que ela mandou convidando casais gays que quisessem participar da plateia. A Fernanda Lima iria propor uma brincadeira e, quem se sentisse à vontade, poderia participar. O Alex topou, mas a gente não sabia qual era a brincadeira e nem quando chegamos ao Projac, ninguém nos informou nada. Só saberíamos na hora da gravação do quadro. Vimos que outros casais participaram e era uma brincadeira tranquila, aceitamos e fomos. Esperávamos participar de alguma coisa, mas não esperávamos que fosse o beijo. Pensei que fosse uma brincadeira de perguntas e respostas, tipo um teste que os casais fazem para perceber o quanto que eles se conhecem.

O CHAPLIN: Assim que vocês souberam que se tratava de um beijo, por que vocês resolveram participar?

Alex e Carlos Henrique: Porque seria uma oportunidade de mostrar que é um beijo normal, entre dois homens normais, e que nada aconteceu além de um selinho carinhoso. O Alex tinha uma intenção específica de mostrar, para ex-namorados, que eu estava bem e com outra pessoa. Também mostrar às pessoas que elas não têm que tratar a homossexualidade de forma estereotipada e pejorativa.

O primeiro beijo gay da Rede Globo, ocorrido em novembro de 2013
O primeiro beijo gay da Rede Globo, ocorrido em novembro de 2013

O CHAPLIN: Como foi a repercussão pós-beijo?

Alex e Carlos Henrique: A gente não divulgou porque pensávamos que nossa parte seria cortada, já que outros casais heterossexuais haviam participado. Iria pegar mal comentar e não aparecer. O programa foi ao ar duas semanas após a gravação, que dura mais de 2h para menos de 30 minutos de edição final. Na quinta em que o programa foi exibido, não tivemos sossego nas redes sociais e no telefone. Dormimos depois das 3 da madrugada. No dia seguinte, quando cheguei para trabalhar e entro no meu email, vinculado a um portal de notícias, na primeira página já aparecia “Beijo Gay na Globo”. Também rolou entrevista para o site MixBrasil e a revista Júnior, ambas especializadas para o público gay. Nas festas e nas ruas, as pessoas ainda costumam nos cumprimentar e falar sobre o caso. Ficamos apelidados como “O Casal do Beijo Gay”.

O CHAPLIN: E entre amigos e familiares?

Carlos Henrique: No meu trabalho, em todos os setores, a recepção foi muito positiva e, duas semanas após a exibição, teve uma festa na minha família, na qual eu nem precisei apresentar o Alex a alguns parentes, uma vez que eles já foram perguntar diretamente a ele como havia sido o beijo (risos).

Alex: Na minha família, embora a minha mãe não levante nenhuma bandeira gay, ela fez questão de ligar para amigos e falar com vizinhos . Ela ficou muito surpresa porque, ao contrário da expectativa negativa dela, as vizinhas elogiaram e parabenizaram pela minha atitude. Quando fui visitá-la (ela mora no Espírito Santo), todos brincaram comigo, chamando-me de “Global” ou “Menino do Beijo”.  Alguns parentes do Alex não sabiam da orientação sexual dele, então foi bom para ele se libertar sem precisar “fazer um evento em casa”.

A brincadeira, baseada no clássico "A Dama e o Vagabundo", que gerou o beijo
A brincadeira, baseada no clássico “A Dama e o Vagabundo”, que gerou o beijo

O CHAPLIN: O beijo entre vocês chegou a ser classificado como “armação”?

Alex e Carlos Henrique: Sim. Colunistas disseram que não estávamos na plateia e que éramos atores. Também vimos matérias dizendo que já éramos namorados e que a Globo tinha contratado por fora. Não esperávamos que isso fosse acontecer. O mais engraçado é que já estávamos frequentando os mesmos espaços midiáticos (colunas, revistas de fofocas) ocupados pelos artistas, com manchetes do tipo: “Casal Gay de Amor & Sexo já eram namorados”, dentre outras. Em nenhum momento, a produção informou que as pessoas deveriam ser solteiras e por isso que nós fomos convidados a participar.

O CHAPLIN: Alguma outra repercussão negativa, tipo rejeição ao que vocês fizeram?

Alex e Carlos Henrique: Diretamente, não existiu. Foram mais de 3000 comentários nos dois dias seguintes à exibição no site Yahoo. Lá, infelizmente, os comentários eram bem negativos, de pessoas dizendo que iríamos para o inferno, que se sentiram enojadas com o beijo ou ainda daqueles que disseram trocar de canal.

O CHAPLIN: Os famosos que participaram comentaram sobre o beijo com vocês após o término das gravações?

Alex e Carlos Henrique: A Fernanda Lima ficou surpreendida positivamente com a nossa participação. No ato da gravação, quando ela percebeu que dois homens queriam participar, nos elogiou e rapidamente nos chamou para a brincadeira. Os demais jurados, especialmente a Glória Maria e o Rodrigo Hilbert, nos parabenizaram. A plateia também foi super carinhosa conosco e nossa atitude fez com que mais beijos entre homens acontecessem após as gravações, revelando outros casais gays que estavam entre a gente.

Após as gravações, eles foram parabenizados pelo elenco do programa
Após as gravações, eles foram parabenizados pelo elenco do programa

O CHAPLIN: Vocês chegaram a receber alguma “proposta ousada”? Alguma coisa engraçada que tenha acontecido com vocês por causa do beijo que foi exibido pela TV?

Alex e Carlos Henrique: Um site pornô – para o qual demos entrevista, mas não autorizamos a utilização de fotos – roubou imagens nossas no Facebook. Algumas pessoas começaram a divulgar nossos perfis nas redes sociais sem a gente querer isso e, por isso, muitas pessoas nos procuravam – já sabendo que éramos o casal – com propostas indecentes, muitas das quais envolviam menage à trois, inclusive de héteros e bissexuais, ou se insinuando para ser amante de um dos dois.

O CHAPLIN: Por causa da iniciativa, vocês foram chamados de “corajosos” por alguém?

Alex e Carlos Henrique: Sim. Aproveitando esse assunto de “coragem”, ficamos muito felizes ao recebermos uma mensagem de um rapaz que – no momento em que o programa era exibido – saiu do armário, revelando a orientação sexual para a mãe. “Viu, mãe, não é nada demais”. “Isso é uma palhaçada”. “Ah, é? Pois o seu filho também faz isso!”. Depois disso, os dois choraram, se abraçaram e a mãe passou a conviver bem com a orientação sexual do filho. Achei isso muito bonito.

O CHAPLIN: Vocês acreditam que estamos muito longe do ponto em que um beijo gay não vire mais notícia?

Alex e Carlos Henrique: Acho que não estamos muito longe. Eu já tenho 31 anos. Na minha adolescência, esse era um assunto complicado. Acredito que os jovens da geração atual estão muito mais tolerantes. Por exemplo, aqui no Rio os gays já podem demonstrar carinho nas ruas. Eu só espero mesmo é que casos de homofobia, que ainda acontecem, sejam criminalizados. Para isso, precisamos de leis para nos proteger.

Beijo gay Amor & Sexo por Painelpop no Videolog.tv.

O CHAPLIN: Vocês demonstram carinho na rua?

Alex e Carlos Henrique: Nós fazemos. Não sei se, por questão do tamanho do nosso corpo – um pouco forte, as pessoas respeitam. Não fazemos nada que ultrapasse os limites do constrangimento. Hoje mesmo estávamos voltando do Pão de Açúcar no ônibus, que estava cheio, e eu (Alex) fazia carinho na perna do Carlos. Ninguém comentou nada, nem mesmo as crianças. O preconceito está na cabeça de cada qual.

O CHAPLIN: O que vocês acharam do beijo gay da novela?

Alex: Eu adorei. Aconteceu porque a própria sociedade – ou pelo menos, a maioria – estava desejosa por essa mudança de mentalidade. Depois do beijo, o relacionamento gay vai começar a ser visto como uma forma carinhosa e “normal”.

Carlos Henrique: Além do beijo, gostei da representação da família que havia ali: os dois moravam juntos, criavam os filhos, cuidavam do César após o AVC e cada um tinha o seu trabalho. É uma família diferente, moderna, de fato, por haver dois homens como um casal, mas que – em outros aspectos – nada difere das famílias heterossexuais. Saiu uma notinha da gente no jornal Extra, na reportagem sobre o beijo da novela. Eu encaro o nosso beijo como o verdadeiro beijo gay porque já aconteceu – e não importa em que canal ou ano em que isso tenha sido registrado – o beijo entre atores. Não é um beijo gay, é uma representação teatralizada feita por dois atores heterossexuais. De fato, entre dois homossexuais, foi o nosso mesmo, embora na MTV já tivesse rolado vários, até mesmo no programa que era apresentado pela Fernanda Lima. Só que tem essa discussão de que a MTV seja um canal fechado em vários estados. O beijo na Globo, evidentemente, impacta muito mais a sociedade.

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Vinícius Vieira
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.
Vinícius Vieira

Vinícius Vieira

Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.

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