Entrevista: um “bate rebate” com o Duo Taufic

Três e vinte da tarde, semana de inauguração do novo estádio de futebol de Natal, o trânsito em uma das principais avenidas da cidade já estava congestionado, era melhor não arriscar. Desci da condução e fui caminhando a procura do endereço em que iria encontrar os entrevistados das 16h. Não foi difícil achar o estúdio Promídia, situado em rua com nome de flor. Recepcionada por Roberto, irmão mais velho do duo, sigo em direção às dependências do estúdio. Nas paredes, fotos dos vários artistas que Eduardo Taufic, o caçula da dupla, já produziu. E olhe que era gente, viu! Com simpatia e sorrisos, os músicos que foram uma das melhores atrações da 3ª edição do MPB Jazz, me concederam uma entrevista.

Eduardo e Roberto Taufic, irmãos e instrumentistas do Duo Taufic | Fotos: Andressa Vieira
Eduardo e Roberto Taufic, irmãos e instrumentistas do Duo Taufic | Fotos: Andressa Vieira

Munida de bloquinho e caneta, me derreti com a simpatia e cavalheirismo dos irmãos. Aqui em Natal e mundo afora, Eduardo e Roberto Taufic são sinônimo de qualidade musical. O precursor da família, Roberto, iniciou seus estudos como musicista aos nove anos, mas as aulas não eram assim tão estimulantes e ele, como boa criança, acabou se entediando. Entre aulas particulares, curiosidade e autodidatismo, Roberto saiu de Natal aos 22 já um músico profissional e rumou para novos caminhos na Itália. Já “Dudu”, como carinhosamente Eduardo é chamado pelo irmão e chegados, ganhou um tecladinho de presente dos pais na infância, que acabou lhe despertando o interesse pelo universo dos sons. Frequentou a escola de música, teve aula com Waldermar Ernesto, e depois seguiu pelos caminhos do autodidatismo também.

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Eduardo Taufic

Os irmãos seguiram por rotas musicais distintas, um aqui em Natal e outro na Itália. Um no piano e o outro no violão. Dez anos de diferença separando um do outro, porém compartilhando da mesma paixão, dedicação e talento. A brisa do Mar Mediterrâneo trouxe bons ventos e frutos: a carreira de Roberto, que estudou jazz, acompanhou diversos artistas por lá e participou de um projeto chamado Latin Touch, com o qual grava o primeiro disco em 1996. Do outro lado do Atlântico, Eduardo fazia seu nome, aos quinze anos já era músico profissional. Aos trinta e oito anos, já arranjou, dirigiu e tocou em mais de 400 álbuns. Com carreiras solo indo muito bem, obrigada, os irmão já haviam cooperado em trabalhos um do outro, mas a reunião só aconteceu em 2009, para gravação do DVD “Dois Irmãos” (2009). O acontecimento foi algo circunstancial, os irmãos se reuniram para um show em homenagem ao pai falecido, no entanto, a união rendeu boas críticas e elogios e a cobrança dos instrumentistas em produzir um material próprio.

Há três anos, Eduardo e Roberto Taufic gravaram o primeiro álbum do Duo Taufic, chamado “Bate Rebate” (2011), todo com composições autorais. Os dois produtores e musicistas já entraram no estúdio com a maior parte do repertório pronta, mas como bem disse Eduardo: “Nós precisávamos de um par de ouvidos extra para conferir o material”. Convidaram o musicista André Mehmari para produzir seu disco e fizeram um belíssimo registro instrumental. Gravado em São Paulo, o álbum foi feito com recursos próprios e contou com a participação de Luciana Alves nos vocais da faixa “É Assim”. O trabalho rendeu aos músicos elogios de gente do gabarito de Egberto Gismonti.

Piano e violão em comunhão, acho que a melhor descrição para o som que o duo faz veio de Eduardo: “A gente trabalha mais com a expressão do que com o virtuosismo. O virtuosismo já está contido dentro da própria técnica, é diferente de uma coisa agressiva, rápida, veloz, que impressione. A gente tenta impressionar da forma mais musical possível, que ali já esteja contido tudo, técnica, improvisação, então está tudo ali”.

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Roberto Taufic

Tudo se encaixa, e ao vivo os dois instrumentos preenchem qualquer palco ou teatro. O som é uma fusão de música popular brasileira, jazz, música clássica, está tudo ali: as várias referências musicais nas quais os dois músicos se inspiraram. Com uma roupagem e linguagem própria, o duo foi um dos shows mais aclamados na segunda noite do MPB Jazz, com um show conciso, porém extremamente tocante. O resultado foi tão produtivo que rendeu material para um segundo trabalho, que está previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano.

Na simpatia de Dudu, na calmaria e simplicidade de Roberto, os meninos responderam as minhas perguntas, enquanto tocavam durante todo o tempo de conversa, com um brilho nos olhos de entusiasmar qualquer um.

O CHAPLIN: O nome do projeto é MPB Jazz, isto é, o diálogo musical entre os ritmos da música popular brasileira com o jazz norte-americano. Como foi o contato de vocês com o jazz?

Roberto Taufic: Eu tive contato através de discos. Naquela época [anos 80], quando chegavam, a gente furava de tanto escutar.

Eduardo Taufic: O jazz no contexto de hoje em dia significa liberdade, não é o próprio estilo de Nova Orleans, o estilo rítmico do swing, que se chama. O jazz está muito ligado a essa forma de você ser mais universal, conversar através da música, ser mais livre de fazer fusões e também tem sempre a questão da improvisação, uma das principais características: desenvolver o tema e improvisar em cima daquilo.

O CHAPLIN: Quais as diferenças que vocês enxergam no fazer da música como instrumentistas e como produtores musicais?

Eduardo Taufic: Trabalho como produtor aqui no estúdio (Promídia) há treze anos e percebo que quando você resolve produzir um artista que tem determinado gênero, determinado estilo, você deve tirar dele o há de mais positivo e não tentar mudar a essência do artista. O produtor enxerga coisas que até o próprio artista não acha que possa ser capaz. Já aconteceu de um compositor, de um músico chegar sem muita expectativa e sair daqui “sou eu mesmo, essa voz aí?, esse disco é meu, essas músicas são minhas?” Então, tudo parte do trato que se dá, da  roupagem dada à música do artista. O produtor serve pra dar uma dica, uma direção.

Roberto Taufic: E essa experiência de produzir, para o músico, é muito importante, porque depois de vários anos que você faz isso, com essa atitude, de ter essa atenção, de não ter excesso de ego, de protagonismo, você começa a visualizar a própria música que você está tocando. Daí o músico passa a trabalhar de uma forma mais responsável, dá uma limpada nela (música), porque enquanto produtor é isso que você faz com a música dos outros. Quando a gente vai montar uma música do duo, a gente tem essa visão, esse cuidado, isso se reflete muito no resultado final do nosso trabalho, é como se a gente fosse produtor da gente mesmo.

O CHAPLIN: Há alguma diferença entre atuar acompanhando um cantor e como músico autoral?

Roberto Taufic: Pra mim é a mesma coisa, a postura é a mesma. Às vezes alguns músicos tendem a desprezar o fato de acompanhar alguém, achando que por fazerem um trabalho autoral, atuam melhor do que acompanhando alguém. Em primeiro lugar, para você ser um bom instrumentista, você tem de ser um bom acompanhador, para aprender a ouvir, a perceber as nuances do cantor, e poder acompanhá-lo. Você desenvolve muito a arte de ouvir. Muitas vezes você vê um grupo tocando música instrumental e mais parece que são cinco pessoas que estão tocando separadamente, cada um querendo ser mais que o outro e ninguém escuta o que os outros fazem, não há diálogo. Eu adoro acompanhar cantores, claro que tem a questão da qualidade, isso num precisa nem dizer!

O CHAPLIN: Aqui em Natal tem algum cantor específico que vocês gostem de acompanhar?

Eduardo Taufic: A gente já trabalhou com vários deles, dentre eles, cito: Valéria Oliveira, Khrystal, Liz Rosa, Lene Macedo, Pedrinho, Suedo Soares, Issac Galvão, Glorinha Oliveira, tanta gente…

O CHAPLIN: Essa formação de plateia de música instrumental em Natal deve-se muito ao Projeto Som da Mata?

Eduardo Taufic: Acho que não se deve, mas sim, foi muito importante. Antes mesmo do Som da Mata, tinha um restaurante no bairro de Petrópolis chamado “Fórum” que tinha música instrumental e sempre estava super lotado.

Roberto Tauffic: Aqui em Natal, havia muito trabalho instrumental, mas as coisas eram muito soltas. Quem ajudou a definir a música instrumental aqui foi Manoca Barreto. Ele ajudou na formação dessas últimas gerações de músicos. Ele quase que sacrificou a carreira dele pra ser professor e mudou o conceito de música instrumental das pessoas aqui em Natal. Depois que ele passou a dar aulas na Escola de Música, mudou a visão das pessoas, do conhecimento dos músicos, unindo assim o talento natural das pessoas ao conhecimento técnico.

O CHAPLIN: Pra encerrar a entrevista, eu gostaria que cada um de vocês me dissesse o nome de um instrumentista do agrado de vocês da nova e da velha geração.

Eduardo Taufic: Que não é assim nem tão novo, André Mehmari e antigo porém nem tanto, Michel Petrucciani.

Roberto Taufic: Da nova geração, o Guinga. Da velha geração, tem um disco de um pianista que eu nunca vou deixar de me emocionar ao ouvir, “My Song” (1978) do Keith Jarrett.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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