Criada por Ryan Murphy (Glee, American Horror Story e American Crime Story), a série conta a história da rixa épica entre as atrizes Bette Davis (Susan Sarandon) e Joan Crawford (Jéssica Lange) durante as filmagens de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?. Segundo o Urban Dictionary, feud significa “rivalidade ou rixa”, o que poderia facilmente indicar a existência de ódio, inveja e um pouco de intransigência em relações do tipo. Em contrapartida, a série põe os pingos nos is e afirma que “feuds” nunca são sobre ódio, e sim sobre dor e sofrimento. Antes que pulemos em julgamentos devemos conhecer um pouco da história das nossas protagonistas.
Joan Crawford, nascida Lucille Fay LeSueur, era filha de mãe solteira e teve que escalar seu caminho ao topo num trajeto íngreme que marcou sua vida e sua carreira. Estreou nas telas ainda no cinema mudo, era dançarina de coro e depois se tornou dublê de corpo na MGM, onde foi descoberta e teve seu nome mudado em um concurso no qual os espectadores de um filme semanal (um tipo de série pré-televisão) o escolheriam. Joan, diferentemente de outras atrizes, transicionou com excelência para os talkies (filmes falados) e estrelou vários filmes durantes as décadas de 20 e 30, porém somente no final dos anos 40 foi consagrada com o seu primeiro e único Oscar por Almas em Suplício (1945), o qual reviveu sua carreira por mais alguns anos.
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Bette Davis, nascida Ruth Elizabeth Davis, era filha de pais separados. Diferentemente das outras atrizes de sua época, Bette não possuía a beleza que Hollywood requisitava de suas estrelas. Por isso, após sua estreia pela Universal e uma série de filmes fracassados, pensou em desistir do cinema e voltar para os palcos, até que foi contratada pela Warner Bros. No novo estúdio, fez aparições pequenas até ser emprestada a RKO Pictures, onde realizaria seu primeiro grande sucesso: Escravos do Desejo (1934). Sua atuação foi de tal qualidade que a Revista Life a apontou como sendo talvez a melhor atuação de uma atriz americana em um filme. Ainda na década de 30 estrelou Perigosa (1935) e Jezebel (1938), filmes que renderiam os dois Oscars da sua carreira.
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Ambientada durante os anos 60, em um momento em que ambas as atrizes estavam com suas carreiras em decadência, Joan decide procurar um roteiro que possa reanimar o seu estrelato e acaba cruzando caminhos com o suspense O Que Terá Acontecido a Baby Jane?. A atriz decide procurar o diretor de um dos seus últimos sucessos, Folhas Mortas (1956), Robert Aldrich (Alfred Molina) e este encontra grande dificuldade em achar um estúdio que apoie o projeto, já que um filme de terror/suspense estrelado por duas atrizes de meia idade não gritava “sucesso de bilheteria” na época.
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Além de um plot bem estruturado, a série conta com Jéssica Lange no papel de Joan e Susan Sarandon na pele de Bette. Jéssica atua bem e dá um ar mais humano à atriz, que era conhecida por ter um temperamento difícil e manias excêntricas. A semelhança física não é tão evidente e a atuação (por melhor que seja) é doce demais para a personagem. Susan apostou por uma caracterização mais convincente por meio de trejeitos marcantes e uma voz modulada que nos remete diretamente a Bette, o que não a torna caricata, mas sim precisa. As cenas divididas pelas atrizes são magníficas: a tensão dos bastidores transparece em cena, mas também o respeito que cada uma tinha pela arte da outra.
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A série possui a estética característica das obras de Ryan Murphy, sendo a narrativa contada por meio de entrevistas documentais das atrizes Olivia de Havilland e Joan Blondell, interpretadas por Catherine Zeta-Jones e Kathy Bates respectivamente. Dessa maneira ele pôde transitar na linha do tempo da série a partir dos depoimentos. O recurso já é conhecido do criador, visto que este foi explorado em um dos seus outros projetos (American Horror Story: Roanoke) no ano passado.
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Não é novidade que a indústria cinematográfica trata(va) de forma cruel as mulheres, mas aqui estamos falando da era áurea do cinema; portanto atrizes como Greta Garbo, Katharine Hepburn, Ingrid Bergman, Bette Davis e Joan Crawford eram verdadeiras deusas do Monte Lee*. Infelizmente essas deusas eram diferentes das outras, estas cometiam o único pecado que uma mulher na posição delas não poderia cometer. Elas, como todos nós, envelheciam. Os papéis se tornavam escassos para mulheres de certa idade e os estúdios sempre prezaram os lucros. A própria imprensa teve sua parcela de culpa, sendo esta representada pela famosíssima Hedda Hopper (Judy Davis), colunista de fofocas responsável por deslanchar e destruir carreiras. Hedda era conhecida por chantagear atores e atrizes para que estes sempre dessem as exclusivas do modo que ela desejasse. Na série, a personagem é utilizada pela Warner Bros. para separar as atrizes e enfraquecê-las.
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Portanto, Feud conta a história de duas atrizes que tiveram vidas difíceis e que se reinventaram constantemente para enfrentar uma indústria cruel que as amou e as enalteceu, ao mesmo modo que as esqueceu. Além de esclarecer que a origem dessa rixa era muito mais complicada do que simples ódio mútuo, e que ela tomou raízes em fatores pessoais e foi regada por intrigas externas. Numa terra onde não existia sororidade, duas atrizes lutaram para se manter nos holofotes e homens lucraram no processo.
*O Monte Lee fica localizado na cidade americana de Los Angeles e abriga o famoso letreiro de Hollywood.
Sagitariano, quase Engenheiro Eletricista, com inclinações para o insult comedy, cantor frustrado, cinema, séries e fotografia. Hipocondríaco de gravidade exponencial. Escreve quando a universidade permite – por prazer e para se ver livre dos cálculos. Assina a coluna Set List.