A não ser por uma breve introdução narrada por Tony Ramos, que interpreta Getúlio Vargas, em primeira pessoa, contando alguns passos da caminhada do estadista vindo do interior gaúcho até o poder federal, Getúlio muito mais se aproxima de um filme sobre uma investigação policial do que uma biografia política.
Os acontecimentos daquele mês de agosto têm início com o famoso atentado da Rua Tonelero, no Rio de Janeiro, em que o major da auronáutica Rubens Florentino Vaz é assassinado e o deputado e principal inimigo político de Vargas, Carlos Lacerda (interpretado por Alexandre Borges), sofre um tiro no pé. A partir daí temos no longa o thriller, bastante focado na trama policial que investiga o atentado e suas consequências políticas, durante os dias tensos que antecedem a morte de um sombrio e solitário Getúlio Vargas, que acompanha o desenrolar da confusão que está o país quase todo o tempo enclausurado no Palácio do Catete.
A escolha é sábia. Os dezenove dias de tensão política, iminência de golpe, discursos inflamados, desfecho trágico e comoção popular já são matéria-prima suficiente para a ficção, foi bem explorada na literatura (Agosto, de Rubem Fonseca, e O Homem que matou Getúlio Vargas, de Jô Soares, exemplos), mas não como essa produção para o cinema. A trajetória política de um homem que foi governador do Rio Grande do Sul, líder de uma revolução, repressor de outra, ditador e, depois, democrata, além de ter tido durante os anos de seu governo as negociações e a expedição do Brasil para a Segunda Guerra Mundial – como único representante da América Latina; esta vida não caberia num único longa-metragem. Por essa questão, provavelmente o título anterior pretendido ao filme fosse mais adequado: “Os Últimos Dias de Getúlio”.
Apesar da acertada escolha, nem tudo é trama policial. Peculiaridades da vida pessoal do Presidente (fisionomicamente idêntico a Tony Ramos aqui), aparecem, como algumas causas não tão conhecidas da melancolia de seus dias finais, sua relação próxima com a filha e assessora, Alzira (Drica Moraes), e o distanciamento de sua esposa, Darci Vargas. No que cabe à política, Getúlio é um filme histórico mas sem deixar de ser atual, levantado temas também de nosso cotidiano; a sempre presente corrupção, a Petrobras (em cheque nos dias correntes), e o medo constante da volatilidade da democracia (há militares por todos os lados, presságio do que viria alguns anos depois).
O bom filme de João Jardim, que o co-roteirizou com George Moura, não é só eficiente, e também envolvente, afastando o tédio do que poderia ser algo só sobre velhos políticos discursando. Mais que isso, é um filme necessário. Mesmo que focando apenas em seus últimos dias, e que Getúlio Vargas já tenha aparecido em filmes ou seriados (muitas vezes como vilão), havia essa lacuna no cinema brasileiro, da falta de um bom registro sobre o homem que por mais tempo governou o país depois do Imperador Dom Pedro II, e que certamente, para bem ou para o mal, foi o mais importante da história do Brasil no século XX.
Colunista de Literatura. Autor do livro de contos “Virando Cachorro a Grito”(2013). Vive pela ficção e espera no futuro poder viver dela.