O ‘american way of life’ já foi, e ainda é, bastante explorado no cinema hollywoodiano. Volta e meia nos deparamos com histórias que se tornaram receitas de bolo, com começo, meio e fim previsíveis, quase novelas globais. Pois bem, Gummo (1997) não é um destes filmes, não teve uma produção nos moldes de Hollywood, tampouco tem um discurso batido.
A história se passa em Xenia, uma pequena cidade de Ohio, devastada por um tornado de grandes proporções nos anos 70, que deixou muitos mortos e destruição. Mesmo anos se passando após a catástrofe, a população parece não ter se recuperado do trauma, e as próximas gerações são afetadas nas mais diversas formas.
Na trama, a vida dos jovens da cidade é o tema central, temos a dupla de amigos que passa o tempo matando gatos, o bando de jovens que se reúne para comentar sobre os crimes que já cometeram, os irmãos skinhead, o cara que prostitui a irmã com síndrome de down…Cada pequeno núcleo expõe alguma mazela local, e todos tem em comum a pobreza e falta de laços e emoções.
Em sua estreia como diretor, Hamony Korine (Kids, Ken Park) trata de um lado obscuro da sociedade americana de forma peculiar, mesclando momentos de hiper-realidade, em takes com estética de documentário, com nuances de surrealismo, a exemplo do garoto que perambula pelos cenários vestindo orelhas de coelho. Korine escancara assuntos como a violência, alcoolismo, abuso sexual, o uso de drogas, de forma dura e pessimista, pois em momento algum se vê saída para o quadro de confusão e desestruturação dos personagens.
Esteticamente o filme é sujo, não agrada aos olhos. A direção de arte contribui, e muito, para a presença da desordem, tudo tem aspecto de velho, de mal cuidado, de causar asco. A fotografia usa muito a ‘câmera na mão’, treme, o que ajuda a criar clima instabilidade, tão presente na película.
Outro elemento que torna a história asfixiante e densa é a trilha sonora, que conta em sua maioria com bandas de Death e Black Metal, vertentes mais extremas do Heavy Metal, as músicas são rápidas e caóticas, e casam perfeitamente com a atmosfera criada em Gummo. A certo momento o clima é quebrado com Crying, de Roy Orbison, um soft rock sessentista, meio melancólico . Uma curiosidade, nesta OST há a presença de uma faixa da banda brasileira Mystfier (na cena em que um jovem coloca comida com cacos de vidro para que os gatos morram).
Em resumo, Gummo é um filme que vale a pena ser visto. Apesar do mau trato em sua aparência, é extremamente bem pensado, tem um roteiro que não discorre sobre uma história fechada, não há um começo, meio e fim, é apenas um recorte de uma realidade, mas justamente por isso prende a quem assiste. A ressalva que eu faria é que deveria terminar na penúltima cena que, a meu ver, é muito mais impactante.
Não esperem uma história água com açúcar em um bairro de classe média americano ou nas calçadas de Manhattan. Gummo é descrença e marasmo, em doses generosas.
Jornalista, headbanger baterista e metido a roteirista. A rima só não é pior que o gosto por mindblowing movies.