“Homens, Mulheres e Filhos” e a relevância de um filme comum

Qual é a função do cinema? Entreter, educar, refletir? Esse conceito partirá de cada pessoa. Eu, por exemplo, acredito que o cinema pode ter a função que quiser, desde que entretenha. Porém, quando a diversão vem atrelada à reflexão, a sétima arte toma uma importância maior dentro da sociedade, mesmo quando o filme não é tão bom. Esse é o caso do novo filme de Jason Reitman (Amor sem Escalas). O diretor apresenta um filme pouco interessante, mas a relevância de seu discurso me faz vê-lo com mais carinho.

Kaitlyn Dever (Brandy Beltmeyer) e Ansel Elgort (Tim Mooney)
Kaitlyn Dever (Brandy Beltmeyer) e Ansel Elgort (Tim Mooney)

Homens, Mulheres e Filhos (Men, Women & Children) acompanha vários personagens com seus conflitos distintos, mas que se prendem à mesma válvula de escape: a internet. Um casal em crise, um jovem “dependente” de pornografia, uma aspirante a atriz, uma bulímica e um depressivo. Todos, de acordo com seus problemas, acabam se tornando reféns da internet por tentar usar a rede para dissociar, ao invés de tentar alguma ação para resolver.

Cartaz do filme
Cartaz do filme

Enquanto obra cinematográfica, o filme não empolga em nenhum momento. A obra peca ao não conseguir “vender” seus personagens sempre caricaturais e, pela quantidade de núcleos, não têm tempo para serem desenvolvidos. Me senti assistindo a uma palestra sobre um assunto interessante ministrada por um palestrante apático. Mesmo assim, se alguém consegue se entregar à história é por causa da montagem inteligentíssima, que expõe na tela páginas da internet e conversas dos personagens em redes sociais (expandindo de forma elegante o estilo característico da série Sherlock), do elenco esforçado e da sensibilidade da direção.

Mesmo limitados pelos personagens, os atores oferecem bons trabalhos conseguindo, em alguns bons casos, fugir da caricatura. Os que não conseguem, ainda assim, fazem um bom trabalho. Os destaques ficam por conta de Adam Sandler (Juntos e Misturados) e Rosemarie DeWitt (Vizinhos Imediatos de 3º Grau) como o casal em crise, a sempre carismática Judy Greer (Planeta dos Macacos – O Confronto) e o incrível Dean Norris, despido de toda a marra e obsessão de Hank, seu personagem em Breaking Bad.

Já o diretor Jason Reitman não entrega um trabalho à altura dos seus Obrigado Por Fumar, Juno e Amor Sem Escalas, mas jamais vemos um filme ruim. A competência do diretor e a escolha por tramas que dialogam com a sociedade fazem com que seu trabalho mereça respeito. Reitman tem uma capacidade incrível de aproximar o público de suas histórias através de sua câmera documental e da humanização de seus personagens. Não parece que estamos num sala de cinema vendo aquelas histórias, mas compartilhando-as com cada homem, mulher ou filho do filme, presentes em cada locação.

A força do discurso merece um destaque próprio. Os avanços tecnológicos afetam a sociedade positiva e negativamente. Se por um lado a internet nos permite facilidade e interação com cada vez mais pessoas (ilustrado aqui pelos games online e sites de auto promoção), por outro ela nos afasta daqueles com quem convivemos (ilustrado na cena em que dois jovens no mesmo aposento usam os celulares para conversar) e mascara nossos problemas, nos fazendo evitar um confronto. E quanto mais dentro dessa realidade alternativa, mais dependente ficamos. O mais legal disso é que, mesmo apontando muitos pontos negativos, em nenhum momento o filme condena a internet, deixando evidente que isso acontece por nossa culpa. O texto aponta sem tomar partido.

Adam Sandler (Don Truby) e Rosemarie DeWitt (Helen Truby) interpretam um casal em crise
Adam Sandler (Don Truby) e Rosemarie DeWitt (Helen Truby) interpretam um casal em crise

Homens, Mulheres e Filhos é uma incógnita como peça cinematográfica, mas tem valor na sociedade. Seu título não poderia ser mais oportuno por mostrar como é complicado estar em qualquer um dos grupos citados. Se não vale como um exemplo de grande cinema, vale como um relato preciso da fragilidade humana e de seus medos.

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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