Lista: Anos 70 – Dez álbuns da música brasileira pra ouvir antes de morrer

A música brasileira é de uma rica imensidão, é lugar onde sempre haverá o que ser explorado e descoberto. Na verdade nós não temos e nunca teremos noção de tudo de bom que musicalmente já foi produzido pelos nossos, porque o ritmo, a composição, a história de um gênero, de um artista e de um músico não cabe apenas num disco lançado, ou num show realizado, há bem mais que isso, há artistas de ruas, há música encontrada apenas nos lugares mais longínquos, por pessoas que nunca serão conhecidas, mas que fazem sim parte da cultura da nossa música. E o que eu sempre defendo é que antes de falar se você gosta ou não da música brasileira, você tem que conhecê-la bem e fugir do lugar comum que a mídia tradicional nos impõe, porque o que nos é mostrado não é nem a ponta do iceberg. Na verdade, a música brasileira é uma eterna surpresa e contentamento.

novos baianos rafael dolinski (2)

Nesta postagem particularmente escolhi alguns álbuns daquela década que pra mim representa um pouco de sonho pra todo mundo, é da década de 70 a mais inovadora produção musical do nosso país, e apesar desta lista conter alguns álbuns do conhecimento comum da maioria, há muitas faixas e minúcias a serem exploradas. Sei que há uma outra infinitude dos nossos discos a ser devorada, a qual também quero conhecer, mas estes aqui sem dúvida todo mundo deveria ouvir antes de morrer:

tim maia 1

1-    Tim Maia (1970) – Tim Maia

O cara do soul music nacional, em seu álbum de estreia, misturou ao gênero americano ritmos tipicamente brasileiros como o baião e o samba. O álbum Tim Maia (1970) é de uma riqueza imensa, com composições que vão do imaginário popular brasileiro como a faixa “Padre Cícero” ao romantismo da eternizada  “Primavera (vai chuva)”. Destaque principal para “Coroné Antônio Bento” com participação do grande João do Vale na composição.

JorgeBenATabuadeEsmeralda2 – A tábua de esmeralda – Jorge Ben Jor

Um dos principais álbuns do Jorge Ben Jor, “A tábua de esmeralda” foi eleito pela revista Rolling Stone Brasil como o sexto melhor disco da música brasileira de todos os tempos. Jorge Ben, que na época do lançamento do disco ainda chamava-se assim, mostrou a melhor faceta do seu talento: a inovação. Fã de João Gilberto, como tantos outros artistas, não se ateve apenas a bossa ou ao samba, criou para si o “samba rock”, e passeou pelo universo do funk, do maracatu, do rock e do jazz. Com um tom místico, característica forte nas composições de Jorge, a faixa “Os alquimistas estão chegando” ao lado de “O homem da gravata florida” dão o viés psicodélico ao disco.

images3 – Alucinação – Belchior

Lançado em 1976 pelo cearense Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, o Belchior, o álbum é obra-prima da música popular brasileira, principalmente pelo seu tom político com letras de impacto que acabaram se tornando símbolo dos movimentos estudantis ante o regime ditatorial vigente a época. Na faixa “À palo seco”  Belchior exalta o folk setentista e as raízes latino-americanas comumente esquecidas em detrimento da invasão do rock and roll no mundo inteiro. Com “Apenas um rapaz latino-americano” exala sua rebeldia e inquietude com o comodismo e regramento musical.

images (1)4 – Transa – Caetano Veloso

Se algumas pessoas da “geração y” se perguntam pelo porquê da grandiosidade musical de Caetano Veloso, este álbum aqui é a maior prova que o seu renome é merecido. Lançado em 1972, o álbum Transa, fruto do exílio de Caetano iniciado em 1969 em Londres, tem uma interessante história. Em 1971, por causa da comemoração dos 40 anos de casamento dos seus pais, Caetano obteve permissão do governo militar brasileiro para ficar um mês no país. Assim que chegou ao Brasil, recebeu o pedido de uma música que elogiasse a rodovia Transamazônica. Caetano não aceitou a proposta, e de volta a Londres gravou o álbum “Transa ”, uma provocação genial ao pedido militar de outrora. Com a faixa “Nine out of ten” introduziu as primeiras batidas de reggae em sua obra, chegando até mesmo a declarar Bob Marley “como a melhor coisa dos anos 70”. Na faixa “It’s a long way”, talvez o maior clássico do disco, exibe a sua melancolia pelo exílio e sabiamente mistura o inglês com o português na letra da música, fazendo uma ponte entre Londres e Brasil como se as duas influências estivessem ali bem vivas no momento daquela canção.

ze ramalho5 – Zé Ramalho (1978) – Zé Ramalho

Lançado no ano de 1978, o primeiro álbum do paraibano Zé Ramalho é um dos discos mais essenciais à cultura da música popular brasileira. O disco inteiro faz menção às suas raízes nordestinas, e em “Avohai” vemos a vertente autobiográfica da canção:  “Na pedra de turmalina/E no terreiro da usina/Eu me criei”. Zé Ramalho, assim como outros artistas que beberam da cultura dos anos 70, permearam pelo uso das drogas alucinógenas, fato que ajudou na composição de músicas psicodélicas como é caso de “A dança das borboletas”.

Album_Acabou_chorare_cover6 – Acabou chorare – Novos Baianos

Marcado como um dos maiores grupos da música brasileira, Os Novos Baianos buscaram na raiz dos nossos ritmos a essência que faz da música brasileira uma das melhores do mundo. Lançado em 1972, o álbum “ Acabou Chorare”, já eleito como melhor disco da música brasileira, pegou a bossa , o baião, o rock psidodélico e todas as influências setentistas, como a guitarra de Hendrix e a brasilidade de João Gilberto e pôs tudo num disco só. Até hoje reverenciado, “Acabou Chorare”, exalta o que o Brasil tem de melhor: “Batucada/Batucada, reunir nossos valores/Pastorinhas e cantores/Expressão que não tem par, ó meu Brasil”. A maior parte do disco reflete nas suas letras a simplicidade do viver, a quebra dos estereótipos e estigmas da velha sociedade, e deste disco não há quem não se encante com “Mistério do Planeta”, doce na voz de Paulinho Boca de Cantor e ousada pelo solo magistral da guitarra de Pepeu Gomes.

osmutantes-7887887 – Os Mutantes (1968) – Os Mutantes

O álbum “Os Mutantes”, com mesmo nome da banda, foi lançado em 1968, mas foi responsável por doutrinar musicalmente a maioria dos grupos de toda a década de 70. De cunho “experimental e psicodélico”, o rock dos mutantes abusa das distorções da guitarra e do uso de instrumentos e objetos não convencionais. Apesar de fortemente influenciado  pela cultura  do rock anos 60, não deixa de lado o samba como na faixa “A minha menina”, o candomblé em “Bat- Macumba” e o baião em “Adeus Maria Fulô”, esta última faixa composta em parceria com Sivuca. Destaque principal para “Panit et Circenses”, canção que critica o conformismo da família e os ditames da sociedade brasileira ante o regime militar da época. Boa parte das canções advém da parceria com Caetano Veloso. Curiosidade: Esse disco foi eleito um dos “50 discos mais experimentais da história”, segundo a revista MOJO. Ficou na frente de nomes como The Beatles, Pink Floyd e Frank Zappa.

Milton Nascimento & Lô Borges - Clube Da Esquina - Front8 – Clube da Esquina (1972) – Clube da Esquina

O     Clube da Esquina foi “um grupo”, uma reunião de amigos artistas, mineiros e fãs dos Beatles, que ao fundirem elementos da bossa, do jazz, do rock, do folk dos negros mineiros e da música latino-americana, firmaram-se como  um movimento que, apesar de não ter tido projeção na mídia como a Tropicália e a Bossa Nova, foi e é considerado  um dos maiores disseminadores  das inovações musicais da música brasileira  até hoje consagradas. Costumo dizer que o álbum “Clube da Esquina”, lançado em 1972, é um daqueles discos que te rende, e que te prende do começo ao fim sem te deixar tomar o fôlego, é o meu “The Dark Side of The Moon” brasileiro. Assinado por Milton Nascimento e Lô Borges, o álbum duplo tem participação cativa de todos os membros do grupo de amigos músicos conhecido internamente como Clube da Esquina. A poética e o uso de metáforas são duas características presentes em todas as composições do disco. Em “Tudo que você podia ser” há uma verdadeira digressão acerca dos sonhos e anseios da juventude revolucionária de setenta “Sei um segredo /Você tem medo/Só pensa agora em voltar/Não fala mais na bota e no anel de Zapata/Tudo que você devia ser/Sem medo”. Na faixa “San Vicente” vemos o movimento da composição para firmar a aliança com a música latino-americana, e na verdade a maior parte da obra de Milton e dos outros músicos tem essa característica de ponte com a música dos nossos irmãos latino-americanos. É importante citar a parceria de Milton com Mercedes Sosa como parte importante de todo este movimento de renascimento na música latina e do ideário político que estas produziram. “Coração americano/Acordei de um sonho estranho/Um gosto, vidro e corte.”

cartolaezicacor9 – Cartola (1976) – Cartola

O disco “Cartola” de 1976, é mais uma obra-prima da nossa cultura musical, é nele que encontramos duas de suas composições mais aclamadas no Brasil, “O mundo é um moinho” e “As Rosas não falam”. Cartola, carioca da gema, em sua elegância e simplicidade se eternizou como maior sambista deste país e suas composições vão além do samba, adentram em outros gêneros brasileiros, é poesia cantada, filosofia da nossa gente. “Gosto de fazer samba de dor de cotovelo, falando de mulher, de amor, de Deus, porque é isso que acho importante e acaba se tornando uma coisa importante”.

Sá, rodrix e guarabira_ terra10 –  Terra – Sá, Rodrix e Guarabira

O álbum “Terra” do trio musical formado pelos músicos Luis Carlos Sá, Zé Rodrix e  Guttemberg Guarabyra, lançado em 1973, foi fruto do denominado “rock rural”, gênero musical criado pelo trio. O “rock rural” oscilava entre a música rural interiorana e entre a música internacional da época. O álbum “Terra” tem a presença do velho blues norte-americano, do rock, e do folk na maioria das suas composições. Apesar de não receber uma grande notoriedade midiática, é um clássico da música brasileira, talvez um dos álbuns que mais exprime o sentimento desta década tão aclamada. São deste disco as eternizadas “Anos 60”, “Blue Riviera” e  “Mestre Jonas”. “Dentro da baleia mora mestre Jonas/ Desde que completou a maior idade/A baleia é sua casa, sua cidade/Dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho.”

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Ana Medeiros
Mãe de Maria Anita, advogada por formação, na poesia tem um pé, na música o coração.
Ana Medeiros

Ana Medeiros

Mãe de Maria Anita, advogada por formação, na poesia tem um pé, na música o coração.

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Telma Melo
Telma Melo
10 anos atrás

Os anos 70 foram de uma riqueza musical inigualável dentro e fora do Brasil. Sua seleção de discos é ótima. Só senti falta da obra-prima de Elis, ¨Falso Brilhante ¨ de Chico ( ¨Meus Caros Amigos¨) e de Rita Lee (¨Fruto Proibido¨).

Filipe
Filipe
5 anos atrás

É impressionante a obsessão com o Transa, do Caetano. Sinceramente, é um excelente disco, mas passa longe de ser uma discoteca básica. Dentro da discografia dele tem coisas muito melhores e mais importantes. É um álbum para inicados, para aqueles que já ouviram muito Caetano e possuem saco para curtir um lado B dele. Não é essencial nem de longe. Cansa vê-lo em toda lista de álbuns essenciais. Poxa vida.

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