O Pequeno Príncipe (2015) é uma animação repleta de essência

Adaptar obras consagradas é sempre difícil, principalmente quando os realizadores ousam ir além. Mesmo assim, o eficaz diretor Mark Osborne (Kung Fu Panda, 2008) assume o texto imortal de Antoine de Saint-Exupéry e o aplica nos dias de hoje evidenciando sua filosofia. Reconstruindo a história clássica, Osborne parte de uma frase utilizada em dois momentos bem distintos (e distantes) nos 108 minutos de projeção: Você vai se tornar uma adulta formidável!

O Pequeno Príncipe (The Little Prince, 2015) acompanha uma garota que estuda para ser essencial num mundo obcecado por resultados. Após não ser aceita numa escola tradicional, ela e sua mãe vão morar num conjunto habitacional próximo à escola e a protagonista deve estudar durante as férias de verão visando tentar nova vaga. É quando a pequena conhece um aviador que a tira da rotina e instiga sua imaginação através de uma história inusitada que, segundo ele, acontecera em seu passado.

Assinado por Irena Brignull (Os Boxtrolls, 2014) e pelo estreante Bob Persichetti, o roteiro acerta ao não seguir a estrutura original. No universo mostrado na película, o livro francês não existe. Tudo que sabemos sobre o Príncipe é relatado através de desenhos e textos do Aviador. Essa escolha funciona passando originalidade ao que a Garota lê (o que provoca a sensação de novidade em quem já leu a publicação) bem como despertando no público a dúvida se o que escutamos aconteceu de fato, deixando sua veracidade a cargo de nossa imaginação. Além disso, a opção de não dar nomes às personagens é uma maneira elegante de tornar universal tudo o que vemos em tela, capaz de dialogar com muitas realidades da nossa cultura imediatista.

o-pequeno-principe5

Porém, existe uma barriga na trama que afeta o ritmo do terceiro ato, justamente o passo a mais dado pelos roteiristas. Dialogando com um filme de Spielberg de 1991 (que não direi para não dar spoiler), a ideia não compromete o produto final, mas se mostra cansativo e deslocado. Desnecessário, até.

A técnica disposta é soberba. O trabalho de Osborne transita por várias linguagens de animação. A habitual computação gráfica, utilizada pra mostrar o cotidiano, é caricatural e com excessivas formas quadradas, mas tudo propositalmente. Retratando a seriedade da vida adulta, todas as casas do conjunto habitacional trazem quase as mesmas formas e são todas trabalhadas em branco e cinza. O jogo de cores mortas também é visto nas roupas utilizadas pelos Homens.

opequenoprincipe_07

Somente a Garota e o Aviador fogem à regra. Ela tem indícios de outras cores em sua vestimenta que vão ganhando mais espaço no decorrer da minutagem, mas nada exagerado. Já ele é uma explosão colorida, tanto em suas roupas como em sua casa que foge da lógica. Já as cenas que recriam o livro são realizadas com traçados que remetem à técnica Stop Motion ou mesmo aos teatros de bonecos. A trilha sonora é muito bem conduzida e emocionante nos momentos certos, um belo trabalho de Richard Harvey e Hans Zimmer, respectivamente condutor e compositor da trilha de Interestelar (2014).

Dentre as personagens, destaque-se a dupla de protagonistas. Esbanjando fofura e carisma, a Garota e o Aviador se mostram ótimos em cena, o que impressiona por tratar de personagens criadas graficamente. Ele ainda funciona como o próprio Exupéry. A Mãe também merece respeito por projetar seus desejos na filha sem provocar antipatia do público. A raposa merece ser citada com suas aparições sempre agradáveis, seja em qual formato aparecer.

filme-o-pequeno-principe-1

O Pequeno Príncipe é tocante e uma linda homenagem a Antoine de Saint-Exupéry. De forma singela, a animação enaltece a importância de deixar as crianças viverem a infância e usarem suas energias de forma criativa e lúdica. Esse discurso é extremamente importante na sociedade de hoje, que está cada vez mais profissional e sem tempo para peculiaridades. A obra literária é um alicerce ótimo numa produção que aplica os conceitos num exemplo prático muito atual.

Independente de ser ou não um exemplar perfeito da sétima arte, estamos diante de um trabalho que não usa de seus meios como promoção de tecnologia, mas como recursos para o seu fim, algo maior e quase palpável. Ignore o que achar deslocado ou desnecessário. Releve se não é uma animação superior às outras, pois não precisa ser. Apenas esqueça do mundo, abra seu coração e assista sem instintos ou impulsos. Afinal, “só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. E o essencial está ali, em cada frame, em cada lágrima! Um filme lindo!

Compartilhe

João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

Postagens Relacionadas

Rugido_2
Lista: 3 séries feministas para assistir na Apple TV+
Não é de hoje que sou entusiasta emocionada do streaming da Apple, o Apple TV+. Dentre os motivos, estão...
foto da revista capituras
Capituras: revista cultural potiguar com foco em produção de mulheres é lançada
O Rio Grande do Norte acaba de ganhar a primeira revista cultural com foco na produção artística realizada...

Deixe uma resposta

0 0 votes
Classificação do artigo
Subscribe
Notify of
guest
1 Comentário
Oldest
Newest
Inline Feedbacks
View all comments
trackback
8 anos atrás

[…] O Pequeno Príncipe (The Little Prince) […]

1
0
Would love your thoughts, please comment.x