O Quarto de Jack: força e sensibilidade são a tônica do longa

Não seria leviano afirmar que O Quarto de Jack foi uma das melhores coisas que vi neste ano que mal começou. O longa do diretor Lenny Abrahamson foi indicado em quatro categorias (atriz, roteiro, diretor e filme) na disputa ao Oscar e embora seja uma produção modesta diante dos grandiosos, e também excelentes, O Regresso e Mad Max, a obra traz um olhar sensível que leva o espectador a refletir sobre temas delicados.

Embora não tenha a força dos blockbusters supracitados, O Quarto de Jack se agiganta em tela por seu tema e principalmente pelo trabalho coletivo de atuação e direção. Brie Larson (Joy) e o garotinho Jacob Tremblay (Jack), tem uma força e carga dramática em tela imensa. O trabalho de atuação é intenso, a construção dos personagens é bem eleborada e tridimensional e a direção soube dosar e conduzir todos os elementos.

Para aqueles que não leram sinopse ou viram trailer antes de assistir ao longa, a trama desperta dúvidas e mistério, por não revelar a princípio o motivo da mãe vivida por Brie Larson e Jack viverem sozinhos e confinados em um quarto minúsculo. O roteiro de Emma Donoghue (baseado em seu próprio livro) é construído em torno de um “suspense dramático”, cujo impacto depende das descobertas e da atenção do espectador.

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O quarto, bem como Jack e sua mãe, é um dos principais personagens do filme. A construção dele está intrinsecamente ligada à narrativa, conduzida sob a perspectiva da criança: o espaço minúsculo, sem janelas e iluminação fraca, tendo como luz natural apenas uma clarabóia, ganha um novo olhar, lúdico e maior do que realmente se tem.

Jack é um menino que mora com sua mãe em um quarto, ele nunca conheceu outro lugar em seus cinco anos de vida. Tudo que ele conhece veio das histórias que sua mãe lhe contou, as coisas mudam de figura em seu quinto aniversário. Fazê-lo compreender que aquilo que ele vê na televisão, que em sua mente criativa é mágica, são pessoas de verdade que existem em um mundo real, do outro lado das paredes, é um desafio para sua mãe.

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[divider]Atenção: Leitor, recomendo que pare aqui a leitura deste texto caso ainda não tenha assistido ao filme[/divider]

O menino, com a ajuda de sua mãe, vai percebendo o mundo além das quatro paredes do seu cativeiro. Originado fruto de estupro sofrido por sua mãe, sequestrada aos dezesseis anos, Jack acredita que o mundo é o seu “quarto”. Para não enlouquecer e também criar uma realidade mais otimista para o filho, Joy rejeitou o mundo externo, criando um universo particular em que ela e o filho pudessem sobreviver.

A relação entre mãe e filho é filmada bem próxima, um retrato íntimo e necessário, intensificado pelas atuações dos excelentes Brie Larson e Jacob Tremblay. Joy tem sua juventude roubada por um ato brutal que, graças a sua imensa necessidade de sobrevivência, transforma a dor em força quando é confrontada pela maternidade. Acredito que essa seja a tônica do filme, a percepção e empatia do espectador é fundamental para a apreciação da obra.

Embora muitos críticos especializados tenham dito que o filme perde a força na metade fora do cativeiro, eu discordo. Acredito que os problemas de enfrentamento de traumas, angústias e, principalmente, ter de lidar com o preconceito de mostrar a extensão da dor vivida pelas vítimas, seja tão importante e igualmente interessantes em tela quanto o primeiro ato do filme, no confinamento.

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Se no primeiro ato, o talentoso Jacob tomou conta, no segundo ato é a vez de Brie Larson carregar toda a carga dramática. Ao se desvencilhar do drama do confinamento, abusos e violência, de volta a sua casa e ao mundo real, Joy passa a enfrentar a luta para explicar ao seu filho como de fato é o mundo fora daquele quarto e lidar com as pressões da família.

O diretor irlandês Lenny Abrahamson conseguiu criar em O Quarto de Jack dois momentos a partir de divergências. Um universo de possibilidades foi criado na convivência solitária no cativeiro enquanto o mundo lá fora se torna sufocante. Embora, em termos cinematográficos o filme não seja exuberante, no tocante à narrativa e às atuações e temática, o longa é talvez, de todos os indicados à estatueta dourada, o mais contundente.

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Leila de Melo
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
Leila de Melo

Leila de Melo

Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.

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