O sonâmbulo amador, do pernambucano José Luiz Passos, é um livro difícil. Da editora Alfaguara, ganhou recentemente o Prêmio Portugal Telecom. Este que, antes de tudo, é um romance bastante original. Experimenta narrativas. Já por isso vale a leitura. Mesmo que custe uma luta para se entender a fundo o enredo.
O livro divide-se em quatro cadernos que narram a vida de Jurandir, trabalhador de uma fábrica têxtil recifense. Por meio destes quatro cadernos, Passos experimenta as extensões da realidade fabricada pelo nosso cérebro, no caso, o do protagonista. Memórias, sonhos, sensações. Os indícios e as revelações da trama vão aparecendo lentamente, e separadamente por cadernos, o que exige uma leitura atenciosa da obra, quase como numa junção de peças de um quebra-cabeças.
Quando nos damos conta de que acompanhamos Jurandir a partir da reconstrução de memórias numa clínica psiquiátrica, tal como ele, ficamos sem saber discernir ilusão de realidade, passado de presente. Aos poucos, e com certeza na releitura de páginas, o leitor junta as tais peças dos relatos da memória e dos sonhos, ao longo dos cadernos do personagem, construindo uma história forte e comovente.
Como o título e a sinopse indicam, é um romance, principalmente, para quem entende os sonhos como possuidores de significados maiores em nossas vidas, mais profundos do que costumamos dar. E por isso veem neles grande objeto de interpretação e matéria-prima para a literatura, como é o caso aqui. Uma prosa sofisticada, e para poucos. Ler O sonâmbulo amador exige um desprendimento do mundo real e uma “cabeça aberta” (perdão pela falta de conhecimento técnico neurológico) para adentrar nos traumas e no que tanto Jurandir tenta esconder.
Colunista de Literatura. Autor do livro de contos “Virando Cachorro a Grito”(2013). Vive pela ficção e espera no futuro poder viver dela.