As séries de TV cada vez mais têm se tornado um espaço rico de criação, atuação e de produção de qualidade, mais até que o cinema hollywoodiano dos dias de hoje. Em 2013, uma série canadense com temática de ficção científica envolvendo clonagem estrelando uma atriz pouco conhecida pelo grande público, Tatiana Maslany, poderia soar uma ideia arriscada, mas o canal Space e a BBC America (que veicula a série nos EUA) investiram no potencial da história e os dez episódios da primeira temporada conquistaram público e crítica.

O episódio piloto nos traz mais dúvidas que respostas e nos instiga a querer saber mais sobre a vida de Sarah Manning (Tatiana Maslany), uma órfã, um tanto quanto degenerada, mãe relapsa e namorada de um traficante de drogas que vê uma oportunidade de mudança na estação de metrô. Sarah se depara com uma mulher idêntica a ela que se joga nos trilhos do trem, eis então a oportunidade perfeita para que a degenerada possa recomeçar sua vida, conseguir algum dinheiro e reaver a guarda de sua filha, Kira (Skyler Wexler) que vive sobre a guarda de uma mãe adotiva, Siobhan Sadler (Maria Doyle Kennedy). A mulher em questão chama-se Beth Childs, uma detetive da polícia. Sarah usurpa seu lugar, no entanto as coisas se complicam ao longo do caminho e ela descobre diversos segredos sobre sua origem.
A série mantém a dinâmica de suspense, clima de insegurança, dúvidas constantes que intrigam o espectador a assistir os 45 minutos de cada episódio. Escrita por John Fawcett e Graeme Manson, “Orphan Black”, não tem pressa de se revelar, ela coloca seus personagens em um jogo de pontos cegos que acaba se refletindo no espectador. À medida que o episódio piloto se passa, Sarah vai desvendando uma conspiração e revelações sobre clonagem surgem. Embora já saibamos que se trata de uma temática de clonagem, isso não interfere tanto, uma vez que o centro da questão são as reflexões levantadas constantemente entre as várias facetas de uma mesma pessoas e a discussão entre ciência e a ética. Mas, eu credito o grande sucesso da série mais do que tudo ao espantoso talento da canadense Tatiana Maslany, que conseguiu dar vida aos vários clones em um trabalho elogiadíssimo.

Tatiana Maslany encarna Beth Childs (detetive de polícia); Sarah Manning (punk degenerada); Cosima (uma genial estudante de biologia que estuda genética na Berkley); Alison Hendrix (uma mãe exemplar, careta e certinha moradora do subúrbio); Helena (uma religiosa fanática); Katja (a alemã com problemas respiratórios) e Rachel (uma britânica introduzida no final da primeira temporada), outros três clones são mencionados mas não são vistos, Danielle, Aryanna e Janika. Tatiana poderia ter se prendido apenas ao estereótipo, mas ela vai além, é possível ver a entrega da atriz aos vários personagens, ela de fato entra nos conflitos pessoais de cada faceta genética e consegue atuações formidáveis, há tempos não via uma atriz tão brilhante em uma série.
Tenho de ressaltar ainda os roteiristas, a série não cai no previsível em nenhum dos dez episódios. Embora o dia-a-dia de Sarah se passando por algo que não é possa soar por vezes um tanto clichê, só soa, mas não é. Ao usurpar a vida de Beth Childs, Sarah esperava que as coisas fossem melhorar vivendo como a detetive, no entanto, o mundo aparentemente perfeito em que Childs vivia torna a vida de sua usurpadora ainda mais complicada, diferente do já visto em outras tantas versões de histórias do tipo. Sarah só confia em seu irmão, Felix (Jordan Gavaris, numa interpretação excelente e cativante), um artista plástico tão politicamente incorreto quanto ela. A detetive que seria a oportunidade perfeita para que a órfã problemática pudesse resolver seus problemas não condiz com o esperado, isto é, a série não é óbvia e vai além dos maniqueismos.
Uma das coisas que mais me chamou atenção na narrativa da série é o fato das “cópias” exigirem ter suas vidas intocadas, sem que a outra interfira em seu espaço. Cada um dos clones foi introduzido dentro de um contexto, de uma nacionalidade, isto é, todas foram sociabilizados de maneiras distintas. O único elo em comum é a aparência e o fato de serem todos órfãos, adotados por famílias ao redor do mundo. O título da série, “Orphan Black”, não diz respeito só a Sarah, mas faz referência a escuridão do desconhecido da vida dos clones, das dúvidas, de se tratar de um espaço de questionamento. São todas cópias? Há um original?

Ao longo dos capítulos, quando os demais clones surgem a série ganham uma dramaturgia ainda mais acentuada e Tatiana Maslany pode brilhar, com atuações completamente diferentes e cativantes. A temática da série, embora possa inspirar ideias um tanto megalomaníacas, nas mãos de seus criadores, John Fawcett, Graeme Manson, se torna criativa, original e não beira o caricato, nem se restringe ao universo geek. Aos fãs de sci-fi, aos não fãs, aos que gostam de excelentes atuações e roteiro inteligente, recomendo “Orphan Black” a todos.
A 2ª temporada da série será lançada dia 19 de abril nos EUA. No Brasil, a série chegou pelo canal BBC HD e pelo site de streaming Netflix. A nova temporada introduzirá novos clones, entre eles, Jennifer Fitzsimmons, uma professora de natação de 28 anos que está com câncer. Tudo indica que os clones podem desenvolver algum tipo de doença. Confira o vídeo promocional da 2ª temporada abaixo:
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.
[…] e, nesse caso, trata-se de quem não foi indicado. Me dói a alma ver mais uma vez ignorarem Orphan Black (BBC America), a série ao meu ver já é uma das referências do gênero sci-fi atual e ainda […]