Marcelo de Cristo, o decristo., tem 36 anos, é professor de inglês e trabalha com cursos de formação de professores da Universidade de Cambridge, o CELTA . Ele vive viajando pelo Brasil e mundo.
Seu envolvimento com a literatura vem de longe, desde a época de escola, quando escrevia crônicas e poemas e publicava parte deles em um blog. ”Sempre compartilhava meus textos com amigos, mas nunca pensei em disponibilizá-los ao público em geral”, conta.
decristo. e seu livro de estreia, ”Tons de ver-te”
Decristo. participou, desde o início, das listas de discussão da Jovens Escribas (que deram origem à editora de mesmo nome). ”A ideia era que um autor incentivasse o outro a eventualmente publicar, mas nunca senti que tinha algo sólido e que valesse uma publicação que não fosse para massagear o meu ego”.
Somente agora, depois de muitos rascunhos, muitos caderninhos completados, ele apresenta ao mundo seu livro de estreia: ”Tons de ver-te”, que será lançado nessa quinta, 12, em Natal. Conversamos com o autor. Confira:
”Tons de ver-te” é a estreia de decristo. pela editora Jovens Escribas
O CHAPLIN: Como surgiu o livro ”Tons de ver-te”?
Ele veio meio que sem querer. A transformação dos poemas em obra não foi algo premeditado, surgiu quando resolvi presentear minha namorada Larissa Fontes com algo que não fosse comprado em uma loja. Acordei um dia e peguei meu caderninho de anotações e escrevi o poema que termina com o título do livro, que me remetia à ela. Nós nascemos no mesmo dia, então resolvi compilar os poemas que escrevi pra ela em um livreto. Imprimi e deu umas 20 páginas. Daí gostei do que li, então resolvi buscar em meus arquivos, alguns poemas que falassem sobre relações amorosas. Compus a versão final do livreto, que virou presente. A recepção foi tão boa que resolvi imprimir mais alguns livretos e dar para algumas pessoas mais íntimas para que elas lessem, inclusive o Carlos Fialho [editor-chefe da Jovens Escribas], que me incentivou a publicar. Então aceitei o desafio de lançar um livro de poesias (que todo mundo sabe que não faz ninguém ganhar grana hoje em dia, com raríssimas excessões). Na verdade, é por isso que decidi publicar: os familiares e amigos curtem o que faço, utilizam meus textos em situações de paquera, e já até imprimiram e postaram poemas meus em lugares bem inusitados. Isso para mim já é o bastante, saber que os poemas ganham vida ao cair na rede.
A marca principal do livro são os poemas curtos
O CHAPLIN: E quais são suas maiores referências?
Falar de influências sempre foi algo bem difícil pra mim, pois sou uma pessoa facilmente influenciada por tudo que leio e gosto. Na época de escola, tivemos que ler a Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo. Todos os meus amigos odiaram, mas eu não (risos). Acho até que meu primeiro poema, intitulado “Efêmero” data desta época e seguia bem a temática do romantismo. Era longo, muito embora eu nunca tivesse tido uma preocupação consciente com a métrica. Odiava ter que contar as sílabas poéticas, mas sempre gostei de escrever sobre meus sentimentos. Ainda na escola, fui introduzido à poesia concreta através da professora Ana Régis e foi quando cheguei aos poetas da geração mimeógrafo como o Leminski, entre outros. Ali me encontrei, no poema curto (seja haikai, poetrix, ou versos epigramáticos). Sou fascinado pela brevidade que diz muito, até porque não gosto muito de falar de mim e quem me lê acaba sabendo um pouco sobre a minha vida:
buraco na janela
o céu da minha infância
infinitas ex trelas
Apesar dessas referências estéticas, acho que o que escrevo é uma amalgama difusa de todas as minhas experiências literárias. Não leio apenas um gênero de poesia e atualmente estou a devorar a produção do poeta americano Paul Auster que ganhei de presente. E sempre que leio algo que gosto isso acaba refletindo no que escrevo, seja na forma, seja na temática. Também tenho muito orgulho em dizer que sou motivado a escrever pelos amigos e colegas que também escrevem. Dá gosto ler gente como o Daniel Minchoni, Carito Cavalcanti, Igor Barboa, Sinhá Sinha, Anna Zepa, Ruy Rocha, Pedro Tostes, Regina Azevedo, Carlos Gurgel entre tantos outros que povoam a cabeceira da minha cama, gente que escreve poesia por prazer e que sequer sonham que fazem a diferença na vida das pessoas. Devo muito a eles e, por conta deles, é difícil passar um dia sem que escreva algo, mesmo que não publique. A primeira parte de “tons de ver-te” é um ensaio livre sobre a gênese da obra em que cito alguns deles, em reconhecimento.
Várias marcas da atualidade também estão presentes na obra
O CHAPLIN: Fala um pouco sobre seu processo criativo.
Certa vez, em um curso da Universidade de Cambridge, um inglês chamado Julian Kenny, que era meu professor no curso e hoje bom amigo, me recomendou que analisasse a fala das pessoas e que fizesse disso um exercício diário para compreender que a mensagem expressa através das palavras muitas vezes não tem nada a ver com as palavras que se utilizam (pragmática). Um bom exemplo disso é quando as pessoas dizem “vou chegar” quando querem, na verdade, ir embora de algum lugar. Faço esse exercício todos os dias. E tudo que leio ou escuto pode vir a se tornar base para um poema, como este que partiu de um rótulo de um produto em um supermercado:
ela gostou
do meu tempero
acho que estou
no cominho certo
Às vezes, o poema já vem semi-pronto, necessitando apenas pequenos ajustes. Outras vezes o que vem é apenas uma vaga ideia, um tema, que eu anoto em um bloco de notas que carrego comigo para só depois desenvolver. Também viajo muito de carro ou de avião, e muitos dos meus poemas são feitos na estrada ou no ar, quando brinco de jogo de palavras comigo mesmo, como neste que está no livro “tons de ver-te”:
o amor
é passageiro.
as vezes, dissimulado,
finge ser motorista,
mas, de repente,
cobra a dor.
Todo bom poeta tem que saber brincar com as figuras de linguagem e de pensamento, tem que saber criar boas imagens. Eu tento. As vezes sai algo que gosto, as vezes não. Publico tudo na minha página pessoal no facebook. Depois de um tempo, releio, e se ainda gostar do que está lá, guardo num arquivo especial. O mais legal disso tudo é ver a poesia que faço adquirir vida própria, ver as pessoas compartilhando e utilizando meus poemas em situações diárias. Antes das redes sociais, o que escrevia era só pra mim ou, no máximo um punhado de pessoas. Hoje, muitas pessoas são afetadas pelo que escrevo. É a arte cumprindo seu papel, pois como escrevo no final do ensaio introdutório:
a poesia
é tão univesal
que até o cosmos
une versos
SERVIÇO
Lançamento do livro ”Tons de ver-te”, de decristo. (115 págs; R$ 30)
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