POP 2010’s: Qual é o legado?

Está chegando o fim da década e nós sabemos como essa marcação de tempo é importante ao pop. Uma década consegue ser lida, revelando o clima e a aura de toda uma geração. Acho que para alguns de vocês não deve ser surpresa o quanto eu odeio essa última década e o que ela deixa de legado ao pop, mas queria ampliar a lupa sobre ela, para discutirmos.

Tenho uma teoria de que uma década boa é sempre prosseguida por uma ruim. O que seria bom e o que seria ruim? Uma década boa é aquela em que se desenvolvem estéticas e temáticas onde a diversidade e o excêntrico se fazem bastante presentes. Onde a heteronormatividade e a branquitude clássica, por exemplo, correm por fora e só tocam em nichos específicos, ou, o que eu gosto de chamar, de pop hétero. Vejam o caso dos anos 1980, por exemplo, onde a cultura queer estava muito em alta, como Culture Club, do Boy George, Dead or Alive, Prince, George Michael, Michael Jackson, David Bowie, The B-52s… mesmo que alguns desses artistas não sejam de fato LGBTs, como é o caso do Prince e do MJ, mas eles flertavam bastante com a estética queer. E no caso das mulheres nem se fala, né? Madonna, Cyndi Lauper, Janet Jackson, Whitney Houston, Roxette, Kate Bush, Eurythmics, Diana Ross, As Frenéticas… Até no rock/metal os homens absorveram uma estética ora feminina, ora homoerótica.

Nos anos 1990, quase todos esses nomes sumiram ou precisaram se adaptar, porque essa década estava exausta do exagero, das cores neon, das estampas de animal print, dos cabelos de laquê. Foi uma década morna, com muita música romântica, com pouco bom-humor, com uma moda flat e minimalista, onde as divas de maior projeção eram Mariah Carey, Celine Dion, Tony Braxton e Whitney Houston, deixando a rainha dos 80’s para trás: Madonna. Fora a depressão adolescente com o grunge e uma melancolia que veríamos no rock até o início dos anos 2000.

Nos anos 2000 essa melancolia se converteu no movimento Emo, que embora continuasse melancólico, havia abandonado o estilo masculinizado e largado e se aproximava muito mais de uma moda agênero ou até, porque não dizer, afeminada. No pop mesmo tivemos Britney, Madonna de volta ao topo, Christina, P!nk, Kylie, Avril, Kelly Clarkson, Jessica Simpson, Lindsay Lohan, Hillary Duff, Ashanti, Kelly Rowland, Ke$ha, Fergie, Nelly Furtado, Gwen, Gaga, Katy Perry, Rihanna e Beyoncé. As girlbands voltaram com tudo, como Rouge, Pussycat Dolls, Girls Aloud, The Saturdays e, tirando o Eminem e o Justin, todos os homens no topo das paradas eram negros: Usher, 50 Cent, Chris Brown, Nelly, Kanye West, Black Eyed Peas, Kid Cudi, Ja Rule, Outkast, Lil Wayne, Jay-Z…

Os anos 2010 foi um ano fraco, muito branco e muito heteronormativo. O minimalismo voltou nas musicas e nos visuais. The Chainsmokers não me deixam mentir, nem as melodias chatinhas de Taylor Swift, Shawn Mendes, Adele ou Ed Sheeran. O pop efervescente ficou por conta dos DJs, homens e brancos, que embalaram as pistas das boates de homens brancos. A Gaga foi para o jazz e o country, a Kylie Minogue foi para o country, a Beyoncé e a Rihanna fizeram a melhor coisa que poderiam ter feito para se salvar dessa catástrofe: se aprofundaram no rap, no hip-rop, no trap, no dancehall. As novas divas pop não têm muito fôlego para entregar um material icônico e atemporal: Camila Cabello, Halsey, Dua Lipa, Selena Gomez, Demi Lovato, Miley Cyrus (que entre as ex-act seja a mais comprometida em construir um cenário pop interessante), Ariana Grande (que segue um movimento de enegrecimento para se tornar relevante), além de Lorde, Carly Rae, Tove Lo, Charli XCX, Marina and The Diamonds, Lana Del Rey e Robyn (que acabam salvando o cenário, mas não pela via do mainstream). Culminando em Billie Elish, que já foi apontada como atntipop, como se fosse possível algo assim hoje em dia em que tudo é pop, inclusive o seu antagonismo fabricado.

Então o que deixa de legado o pop 2010’s? Essa é uma pergunta séria, sem deboche. Com o que contribui essa década?

Fui obrigado a olhar com carinho para poder responder e, nessa busca, me vi olhando para os anos 1990. Na minha opinião, uma década que lança escárnio para álbuns como o Erotica e cancela artistas como Sinéad O’Connor, que evita ousar na moda e que estreita ainda mais o padrão estético vendido pela geração de super modelos, onde as músicas de um amor romântico e extremamente fantasioso são as mais executadas não merece ser tão louvada assim. Mas não é preciso olhar com uma lupa para perceber que essa década era uma resposta à exaustão que foi os 1980, então sim, é normal esse apagamento. Fora que é preciso reconhecer que os anos 1990 naturaliza a presença do corpo negro no mainstream e da estética marginal. Por mais diverso e não normativo fossem os anos 1980, é nos anos 1990 onde podemos perceber que essa diversidade ganha o cotidiano, é nos 90’s que veremos os grandes nomes femininos do rap e r&b, como Missy, Queen Latifah, Lil Kim, Salt’n Pepa, En Vogue, Lauryn Hill, Destiny’s Child. É nessa década que começaremos a ver homens negros mais afetuosos e considerados sensuais, como Lenny Kravitz, Tupac, Babyface, R. Kelly e as nossas bandas de pagode nacional.

É nos anos 90’s também que as mulheres criam um grande embate com o padrão das passarelas e se apropriam de uma estética urbana e “masculina”: Alanis, 4 non Blondes, banda de Linda Perry, No Doubt, com a Gwen Stefani, Sneaker Pimps, com a Kelli Ali, Enya, Aaliyah, Annie Lennox, Anastacia, TLC, Selena (a original), Shakira (ainda morena/ruiva), Tracy Chapman e, por que não adicionar, RuPaul.

Costumo olhar para os anos 1990 com carinho pois sou desta década e por reconhecer que é um período sonoramente elegante, mesmo na música eletrônica, onde houve o aprofundamento da house music, da ambient music, do trip-hop e do techno. Os vídeo clipes, embora minimalistas, já introduziam a estética futurista de forma exuberante e criativa, como são os casos de Rain e Human Nature (Madonna), No Scrubs (TLC), Scream (MJ e Janet), Virtual Insanity (Jamiroquai), Six Underground (Sneaker Pimps)… de tal forma que, nos anos 2000 os clipes já estavam saturados de futurismos, executados em sua maioria de um jeito bem cafona e lugar comum.

Talvez os anos 2010 sejam percebidos, inclusive por mim, como uma década que introduz um movimento de elegância, que será exaustivamente explorado pelos anos 2020. Por hora, consigo reconhecer que os anos 2010 têm um grande mérito temático, que é de abordar a saúde mental da juventude em músicas como Younger Now (miley), Get Well Soon (Ariana), Praying (Kesha), Indestrutível (Pabllo Vittar). E com essa deixa, não há como não dizer que 2010 é o ano mais queer que o pop já teve, talvez mais queer que os anos 1980, com as drags dominando todas as frentes, desde a rainha Pabllo, passando por Potyguara, Adore Delano, Kaya Conky, Gloria Groooooovêêêê (não resisti)… e os corpos sapatão, bichas, bi, trans e travestis, como Liniker, Tegan and Sara, Oxa, Linn da Quebrada, Urias, Hayley Kiyoko, Sam Smith, Janelle Monae, As Bahias e a Cozinha Mineira, Danny Bond, Ludmilla, Conchita Wurst, Kim Petras, Troye Sivan, Laura Pergolizzi, Years and Years… a lista é infinita e, felizmente, muito diversa.

Então, nesse sentido é possível que o legado dos anos 2010 se pareça com o dos anos 1990, mas isso, diferentemente dos anos 2000 e 1980, que percebíamos sua importância durante o período em si, a gente só vai descobrir anos depois. Por hora, talvez seja importante apontar os anos 2010 como um ano pobre ao pop por falta de experimentações, de excitações, de grandes momentos e por um enxugamento da estética queer do mainstream, tornando o cenário hegemônico muito normativo e previsível. Nesse ponto, não tenho medo de dizer “2010’s, já vai tarde!”.

Por Ben-Hur Bernard, designer, doutorando em Estudos da Mídia e professor substituto da UFRN, postado original no Facebook.

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A Revista Pagu é um site cultural e tem como proposta ser um espaço plural sobre artes, cultura e sociedade. Seus colaboradores bebem de fontes diversas para compor seus textos, tendo como objetivo a criação de um material informativo e crítico inédito e de assinatura própria.
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