Por que (não) vamos ao teatro?

Há algo em torno de dois anos (ou próximo a isso), um querido amigo, artista e ex-colaborador desde blog emitiu, em ocasião de um espetáculo ao qual fomos assistir em um grande e badalado teatro da capital potiguar, uma opinião sobre o contexto ou as razões que faziam com que boa parte do público ali presente fossem à casa de apresentações. Para ele, ir a um teatro elitizado era apenas parte do ritual da noite de domingo de muitos membros da classe média-alta habitante de Natal.  Ritual este que integrava a visita anterior ou posterior a um dos restaurantes mais sofisticados da cidade e o encontro com outros membros do mesmo grupo social que se aproveitavam da oportunidade para prontamente fazerem selfies no hall de entrada da Casa em questão, e logo publicarem-na junto a um registro do ticket recém-comprado para um espetáculo do qual muito provavelmente pouco importaria o conteúdo.

Na época, indaguei ao meu amigo – cuja identidade preservarei a fim de não comprometer nenhuma de suas atuais vertentes profissionais – se não haveria uma visão otimista daquela situação, se a atividade teatral e a difusão artística, e mesmo a formação crítica e cultural do público, não ganhavam algo – ainda que por tabela – de todo o contexto. Ele argumentou que não conseguia ter uma visão predominante otimista quando, em todas as fileiras do espetáculo em questão, parte do público observava a apresentação pela tela de gravação de vídeo do celular e outra parte parecia mais distraída com aplicativos sociais como WhatsApp e Facebook. Bem, como nós ocupávamos duas cadeiras do camarote, bastou uma rápida olhadela para comprovar que não havia inverdades no que ele dizia. Também afirmou desacreditar de um interesse real que sobrepusesse a mera busca por status social, uma vez que em média quinzenalmente aconteciam espetáculos nos mais diversos pontos da cidade (não tão centrais e não tão caros, é bem verdade) e raramente podia-se contar com uma casa, por menor que fosse, cheia.

Dia desses, dedilhando a timeline do Facebook, me deparei com um desabafo da atriz, diretora e professora de Teatro, Heloísa Sousa, um dos mais expressivos nomes da cultura atual do nosso estado, convém dizer. O texto vinha linkado ao vídeo que o Apartamento 702 produziu para falar da atual situação dos teatros de Natal. Segue reproduzido na íntegra:

“OITO espaços culturais existente nesta cidade! E você frequenta quantos? Será que temos noção da força do PÚBLICO? De como a nossa presença nos lugares podem fazer existir artistas e espaços culturais nesta cidade? Você sabe como é EXAUSTIVO promover/inventar/criar arte e não ter NINGUÉM para compartilhar/debater isso com você, porque a cidade tem preguiça demais para sair de casa? Vejam bem, não estou falando de “pouca gente”, estou falando de NINGUÉM. Nem sei mais se arte/cultura é tão fundamental. Se os próprios artistas, professores e estudantes de artes não se encontram, não trocam, não debatem e nem se alimentam, eu não sei mais o que é necessário…”

Nesta semana também assisti a uma entrevista televisiva com o diretor do Teatro Alberto Maranhão, que permanece interditado desde julho de 2015, na qual o sr. Toinho Silveira justificava a inércia do poder público no que concerne à reforma necessária do espaço – ainda por ser iniciada. Não me ative muito aos pormenores, mas após alguma reflexão sobre a temática, me coloquei a indagação: será mesmo que o TAM, teatro centenário que se tornou um dos símbolos da nossa cidade, faz mesmo falta? Aos trancos e barrancos temos a Casa da Ribeira, o Teatro de Cultura Popular, o Barracão dos Clowns, o espaço Aboca (este último atualmente passa por uma crise que pode acarretar no fechamento de portas do espaço), entre outros, opções que a população natalense não parece ser suficiente para ocupar, muito embora o maior teatro da cidade, com seus espetáculos pomposos e shows de youtubers, esteja sempre lotado. Faz-se necessário entender: o que falta para que o público chegue aos outros espaços da cidade? O que faz com que artistas nacionais faturem cifras grandes em cima do cidadão potiguar enquanto os artistas da terra divulgam, fazem campanha, praticamente imploram pela ajuda do público para que seu espaço possa continuar a funcionar?

O teatro interessa?

Me pergunto o quanto o teatro, puramente, em seu aspecto artístico e reflexivo ainda nos interessa. Temos preguiça de sair de casa e pagar um valor muitas vezes irrisório para assistir a um espetáculo? Bem, isso não acontece com o cinema, por exemplo, frequentemente lotado aos finais de semana. Nem mesmo com as apresentações musicais. As livrarias também apontaram uma queda significativa de vendas, mas não me parece que isso decorre de uma crise na literatura, mas do formato de lojas físicas. A Amazon, por exemplo, segue firme e forte, com livros e ebooks para, literalmente, dar e vender.

Ora, se o problema refere-se à falta de confiança no artista potiguar, é preciso superá-lo: somos muito mais que privilegiados no que diz respeito à nossa safra cultural. A teoria que defendo é a de que temos uma crise contemporânea que atingiu Natal em cheio. Falta-nos disposição para a empatia e o relacionamento com o outro. O teatro não é, por essência, uma arte individualista, sendo ele, acredito, a arte mais orgânica a que temos acesso. Nessa atividade, artista e público travam contatos. Faz-se necessário observar, entrar num ritmo, mantê-lo. É preciso ser leal àquela relação de poucos minutos, manter-se atento, desperto, disposto a integrar o momento como o outro lado protagonista da relação, afinal, não há teatro sem público, suponho. Pergunto-me se ainda temos “saco” para tanto. Se não nos incomoda a ideia de, por alguns minutos, travar uma relação atômica, sem intermédios tecnológicos, com o desconhecido.

Por onde anda a nossa educação teatral? Quantas escolas em Natal, em meio ao marketing educacional de que cool é aprender pelo tablet, realmente estimulam a arte, não apenas no que ainda se obrigam pelo MEC, mas por entenderem a necessidade de formar cidadãos que não receiem travar relações para construir conhecimento, muito além dos textos que consomem nas mídias sociais? Sendo otimista, esse número deve chegar a cinco, em uma amostragem de dezenas (centenas?). Ora, não terceirizemos por completo a formação dos bons hábitos. Quantos pais têm o hábito (ou o tempo?) de levar a prole a espetáculos teatrais? Quantos estimulam nos filhos a reflexão sobre a importância de manutenção dos espaços públicos ou do consumo de arte? Não por caridade, vejam bem, mas porque, na condição de seres humanos, realmente precisamos. Muito mais que os artistas que se esforçam para nos mostrar isso.

Nostra culpa

Pois bem. Faz-se necessário analisar também o outro lado da moeda. Os nossos produtores culturais estão realmente preparados – na que concerne à logística – para recepcionarem o público que almejam? Há algumas reflexões que precisam ser feitas do ponto de vista de audiência. Há anos frequento espetáculos locais (no último ano, bem menos, devido a questões profissionais e pessoais, portanto peço perdão se a crítica a seguir estiver defasada) e nunca foi me dada a opção, por exemplo, de pagar com cartão de crédito ou débito. Já deixei de frequentar inúmeros espetáculos por não ter dinheiro físico no final de semana em questão. Em tempos em que praticidade conquista muito mais que preços reduzidos, faz-se necessário mobilizar-se no sentido de tornar as possibilidades do público maiores e mais acessíveis.

Outra questão a ser repensada é a facilidade de acesso e a segurança dos ambiente aonde acontecem os espetáculos. São poucos os que possuem estacionamentos com o mínimo de segurança no entorno, ou mesmo paradas de ônibus próximas. Por tantas vezes, ao fim de um espetáculo, dei carona a amigos, conhecidos e desconhecidos que ficaram receosos de caminhar após as 20h até a parada mais próxima (que ficava a mais ou menos um quilômetro de distância). Os exemplos aqui citados podem até parecer desculpas de gente desinteressada, mas não se pode cobrar apenas da audiência que se mobilize e ajuste-se para frequentar os eventos. A arte, na sua condição indeclinável de produto, deve buscar ser mais atenta a pequenas ações de marketing que podem tornar o relacionamento mais atraente para o público que se busca atingir. O quanto da nossa arte é pensada/produzida com vistas para o público? Fica a reflexão que eu, na condição de mera jornalista, não estou apta a responder, mas é sempre bom trazê-la à tona.

Por fim, se essa é uma relação com jeito, só o futuro dirá. Em tempo presente, a certeza que temos é de que se faz necessário dialogarmos enquanto comunidade, identificar nossos anseios, expectativas e refletirmos sobre os pilares que estamos construindo ou, neste caso, derrubando. O quanto eles farão falta num futuro não muito longínquo?


Se você chegou até o final desse texto e quer fazer algo concreto pela manutenção do movimento teatral em Natal, que tal apoiar o espaço Aboca no Catarse? Os valores são a partir de R$ 15 e as recompensas são lindas. <3 Saiba mais sobre a campanha na página do Facebook do espaço.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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